março 23, 2015

Sintonia


Nesse momento sinto as palavras elevando-se me diferentes linhas, em páginas que já não contém margens e não me impedem de continuar a frase mesmo que o fôlego acabe. Mas também não há mais letras, sigo por estes caminho sem fim em pequenos pontos e riscos, que formam assim pequenos círculos calculadamente marcados nessa folha. É bonito, pois assim que as pinto em seu lugar exato a melodia continua em um ritmo que eu nunca ouvi, mas sinto ser meu. E tão intimamente meu que me aflijo com o fato de que alguém mais esteja ouvindo, as notas estão mais altas e são tantas coisas reveladas, tantos medos e dedos e mãos e um coração que talvez esteja ditando a partitura de mais uma canção. 
Pensei ser algo sobre céus e suas metáforas, pois iniciou-se com "sol" que transformou-se em clave. As linhas continuaram sem pausa, os "pingos" dispersos soaram em diferentes instrumentos e foi tão bonito que deixei que continuassem. Foi difícil de início, sabe, a gente nunca consegue seguir um ao outro ao mesmo tempo. Eu seguia meio rápido e você cismava em ficar na linha de baixo, e eu querendo tanto alguém que me ajudasse a alinhar essas notas aqui de cima. O engraçado era que mesmo distantes eu ouvia a sua nota combinar com a minha, e a gente se olhava mesmo por entre essas retas e sentia. Porque sempre foi mais sentir que ouvir. Foi a minha única exceção, onde deixei que as palavras não existissem, até porque não era preciso. A gente se ouvia mesmo em silêncio, e penso que a música nunca tocou tão alto. 
Mas eu queria muito te dizer muitas coisas. Vez ou outra buscava acompanhar seus passos mas acabava me perdendo, o ritmo ainda destoava muito um do outro. Até que um dia, após muitos reencontros e desencontros, a gente acabou seguindo aquela canção até o fim. E quando ela acabou começou a segunda, a terceira, acabou o disco e a gente virou e seguiu o lado B. Como eu queria que existissem lados C, D, e talvez completar o alfabeto com você. Porque agora, enquanto ela ainda soa entre nossos passos, é ainda mais fácil de seguir. O medo das retas infinitas que nos guiam é grande, eu sei, as vezes nós dois temos certos receios que atrapalham a melodia. Mas é ainda mais bonito quando retomamos o concerto, os maestros voltam a coordenar todos esses sentimentos que gritam vozes diferentes em cada um. O grito volta a ser uníssono, os pés se acompanham, as mãos se completam. 
E a canção continua, ainda mais bonita. 

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