novembro 12, 2017

Para você dar nome



Acabei de colocar a camiseta para lavar. 
As horas passaram mais rápido do que eu pudesse dar conta, a água da chuva secou duas vezes. Antes estivera úmida, no final do dia bem pouco, quase não dava para sentir, mas eu sentia. Ali na gola, perto do pescoço, ainda sentia uma gotículas mínimas. Ninguém reparou que na segunda ida ao mercado eu continuava com ela. Os colegas da noite também não notaram a umidade nas mangas, ou o peso do peito. A chuva caiu de novo naquela noite. Estava mais fraca, tímida, mas esperei, firme, em meio aquelas gotas finas e sem jeito que caíam esparsamente. Me gritaram para voltar, coisas de sereno, gripe ou qualquer falácia de velho, mas eu não quis. Deixei que as horas passassem e que o respingo fino se tornasse a enxurrada de hoje cedo. Sentia cada pingo cravar uma ferida. Eu queria cada marca na pele com força e dor. Eu queria que o vazio de mim fizesse eco, e as gotas se transformassem em uma  música calma.
A melodia não tocou. Continuei a ouvir todos os ecos de ontem, todas as risadas distorcidas pela memória. Eu queria discernir cada respiração mais forte, ou um suspiro despercebido, mas o vídeo acelerava cada vez mais. Eu já não conseguia saber a cor das roupas, se era azul ou preto, verde ou cinza. O mundo rodava sem pausas e eu pedia tanto para que o ponteiro deixasse de seguir. E eu corria atrás de cada volta, buscando um retorno, uma fuga, um vão para puxar cada pequena célula que restou naquele ambiente em que eu não fui mais. Tentei recortar todos os pedaços do quebra-cabeça fragmentado que o tempo me deu, mas boa parte dele continuou perdida em um espaço que não existe. 
Lembrei-me das palavras. Havia muitas palavras escritas em diversas folhas, mas eu só via rabiscos. Sabia ter o meu jeito torto de desenhar o 'Q', e as palavras finais sempre fora da margem como se quisessem ir além do que é permitido. Eu queria ler além da primeira linha, o pronome de tratamento inventado não me importa, eu queria o cerne daquilo que não alcanço. A chuva borrou a tinta, não era possível alcançar a linguagem do que ficou escrito. Senti o vento forte e frio, destruindo qualquer possibilidade de fuga e segurança. Sinto como se os tetos de mim nadassem por um céu inabitável. Inalcançável. 
Procurei em cada canto do tecido uma palavra escondida, uma frase que fosse, só para que eu pudesse reconstruir qualquer coisa perdida. Mas a camiseta apenas mostrava o que já era meu. O meu perfume enjoativo. Os meus fios de cabelo soltos perdidos. As minhas micro, macro, mini, células científicas idiotas. Os desenhos tortos das minhas digitais. O vazio do meu eu. O silêncio de tudo aquilo que não disse preenchendo cada linha fina do algodão colorido.  As gotas das lágrimas que ninguém chorou - mas talvez devesse porque o teto se foi, a música não tocou, não há mais palavras em mim. 
Procuro em cada vão uma vírgula, um ponto, uma risada escrita de forma engraçada. Não encontro. Visto a camiseta ainda úmida, em busca de um pedaço de mim que possa reaparecer, mas ela não serve da mesma forma. A gola está larga, a cintura estranha, as mangas tortas. Escrevo esse texto e erro a pontuação constantemente, perco os parágrafos, pulo linhas. Vai chover novamente e dessa vez eu tenho medo. Eu tenho medo de não poder segurar cada gota que aparecer, porque perdi o dentro, o in, aquela coisa toda profunda que muita gente diz por aí sem saber de nada. Eu digo também, agora,  sem saber de nada. 

E eu peço, como quem pede uma súplica final antes da morte, que o vento não destrua as páginas que me cobriam, que o fogo não queime nenhuma margem fora do limite. No fim, a gente suplica pelo adiamento da morte, pelo não-fim, pela volta seja pelos céus ou pela terra, apesar de. 

novembro 01, 2017

Minha fantasia borrada



Luz azul. 
Como em uma rubrica de uma peça de teatro tomamos nota das ações e do espaço. A cor balança entre os meus seios e pernas, para alimentando cada pequena parte de mim. A luz preenche meu corpo vazio. A plateia cheia de você.  A repetição dos silêncios. O 'a' de azul que quebra a sequência de anáforas e construções sintáticas que você não ouve. Olho para os seus olhos no meio da luz branca que me cega. Delimito a sua presença com base nas memórias falhas que guardei, esperando acertar na cor da camisa xadrez e no lugar à direita. Quero entrar na sua cabeça, desabotoar sua camisa e dizer todas aquelas coisas que eu nunca disse. O diretor impede a ação, continuo parada. 
Luz azul. Continua.
Imagino teus olhos percorrendo meu corpo como um cego que tateia os rastros nas paredes. Guarda o lugar em que dobra a cintura na direita, a pinta no ombro esquerdo e aquela palavra rabiscada na pele. Te ouço cantarolar as canções que existem em mim e que você nunca decorou a letra. E você me leu tantas vezes. Escuto suas leituras de mim ecoando entre as cortinas e coxias. O palco gélido sob meus pés vibra com os passos que você não deu. O braço arrepia com o toque da sua mão que não me alcança. Mergulhada na imensidão azulada eu espero que você me salve, mesmo sendo eu a que sabe nadar melhor de nós dois. 
Luz azul escurecendo. 
Eu tenho medo. Medo de deixar de ser. Medo de ir. A luz branca parece ainda mais forte. Sinto tonturas. Meu corpo balança com as ondas que refletem na minha pele clara. Vê o mar revolto que habita em mim. Ouve os gritos das pessoas que aqui se afogam. E eu grito tanto para que você não entre. Não se afogue. Não vá mais fundo. Mas você me atinge na medula. Desespero. Lágrimas. O azul, cada vez mais preto, esconde meu rosto. Você perdeu a cor da minha íris, o lugar da pinta da bochecha e o corte do meu cabelo. Seus desenhos são falhos e eu vejo as tentativas de rabiscos deformando a minha imagem. Mas não desista. Tenho medo da rubrica que me assola e me apaga. Cada vez mais os meus traços vão se perdendo no escuro do palco, no vão escuro da coxia, escorrendo pelas beiradas dos abismos que não pulei. Sinto seus dedos soltando de leve a ponta dos meus e grito. 
Silêncio.
O grito mudo para na garganta e não sai. Não estava no script. Quero pegar os roteiros e rasgar, mas não consigo me mover. A fraca luz que ainda resta no meu rosto evidencia a lágrima de silêncio que não escorreu. Mas eu queria tanto que você a ouvisse. Peço que pegue suas canetas e me recrie com o colorido do seu toque. Aperta meus braços, beija minhas pernas, deita em mim. Me completa antes que a escuridão venha. Eu tenho medo do escuro, lembra aquela vez da. A memória falha. Quero inventar um milhão de vocês em um espaço pequeno de segundos, porque no agora eu já não lembro mais dos seus óculos da sua camisa xadrez do seu sapato do seu cheiro do seu toque d. 
Luz apaga. Escuro. Música iniciando em tom crescente:

"You could be my favourite faded fantasy. I've hung my happiness upon what it all could be. And what it all could be... with you."

Fecha as cortinas. Acende as luzes. Plateia vazia. 

outubro 01, 2017

Relatos breves de um ausente


Chove.
O vento passa entre as frestas da janela cantando aquela melodia surda dos morros. A porta bate sozinha a chegada de alguém que não abre. Os livros leem-se com uma troca de página rápida e violenta. As palavras se embaralham e eu já não sei mais o enredo daquela história, o romance misturou com o teatro, o drama sobressai em mim. Estou rodando a biblioteca, seguindo as sentenças, procurando aquela que me prenda de vez. Em busca do enrendo, fábula ou nó que ate meu laço. A janela sussurra meu nome entre as barras da grade. Resisto. Sobrevivo no ar viciado das grades desse pequeno cômodo, carregando sobre mim o peso dos galhos e figos apodrecidos em mim.  
A figueira alcança o vidro frágil da redoma que me cerca, mas não chega. Meus galhos finos arranham a transparência do nada. O sangue brota nos cantos da unhas. A dor é nula, mas arde. Como me livrar da parede invisível que me solta nesse mundo sem rédeas? Eu não sei ser. Eu fui, e agora preciso ir, mas estanco. Fixa. Muda. Plantada no solo seco e infértil de uma vida sem flores. Eu vejo a luz refletida na vidraça, o som surdo das pessoas que riem, mas não me atinge. O eco que ecoa em mim é mudo. O oco ressoa o nada que me completa em silêncios. Estou amarrada entre paradoxos. 
O sangue das unhas mancha o papel de não-ditos. Escrevi tudo aquilo que doeu na ausência e ficou em branco. Tentei pegar a caneta, mas a tinta vermelho-negro não tingiu. A letra ficou estancada no primeiro contorno. O risco escuro e falho borrou o papel no canto esquerdo. É isso. Sou o borro, a falha, a pequenez na imensidão branca que cega e oprime. Estou aqui, engasgada com as memórias que já partiram com o cair do tempo. Quero escorrer o sangue das veias entupidas de mim. Quero estancar a palavra que não sai. O vento derruba o papel, leva a caneta, canta a melodia triste do fim.   
Corro por entre os corredores de uma linha só. A porta bate. Os ventos choram. Eu grito socorro para a folha em branco de um romance errado. Mas o movimento é surdo. O silêncio preencheu todo o cômodo com seus espaços vazios. O meu oco ecoa no oco do quarto. Fazemos canção. O som corre pelo corredor, procurando algum lugar para, uma fresta que, um alguém que. Onde está você? 
Respondo que sempre estive por aqui. Onde está você? Aqui. Onde está você? Sempre aqui. Onde está você? Aqui. Aqui. Eu sempre estive aqui. Você? Sim. Onde? Aqui. Dentro. Está? Oco. 
Eu quero voltar. 
Eu preciso voltar. 

maio 21, 2017

Abstinência


O cheiro da sua mão ficou gravado entre meus dedos, mas perdi o toque. Os seus cílios ficaram presos no meu moletom, mas perdi o olhar. Tenho o cheiro do seu perfume nas suas roupas jogadas no chão, mas falta o que preenche. Tenho rascunhos rabiscados com a sua letra, mas falta o som da sua fala. E quando finalmente ouço o som da tua voz naquelas nossas gravações, eu perco o nós. Grudados. Atados. Enlaçados. Onde foi parar a outra parte da fita que você segura e não está aqui? Onde você está? Eu repito aquela do Lobão, apesar dos pesares, e peço para que me chame. Mas você está na sala ao lado. Você foi ali na padaria. A reunião atrasou um pouco. A fila estava grande demais. O trânsito estava complicado. 
Onde está você com o lado da fita que enlaça o nós? A metáfora é velha, mas querido, segurar essa ponta sozinha talvez sugira ideias erradas, para os outros, porque virou a nossa conversa tantas vezes. A gente brinca entre essas cordas, la(n)çando-nos entre pontes e abismos como dois seres que seguem invencíveis pelos espaços inventados da humanidade. Existimos na fotografia de lugares que não existem mais, como dois fantasmas vivendo a eternidade de um romance clássico inglês.  
Mas eu queria toda aquela coisa bonita do cinema hollywoodiano, as saudades de minutos, a falta durante um intervalo e um aperto leve no peito que a gente diz: calma, logo passa. Mas não passa nunca. A falta se tornou abstinência, os minutos percorrem como ácido pelo meu corpo enquanto aguardo o relógio chamar o teu retorno. Me tornei tal qual aqueles que farejam pelos lixos procurando resquícios de seus vícios, rastejo entre esquinas procurando partes de você. Retomo caminhos nossos em busca de uma lembrança que acalente. Sento agora naquele banco sempre nosso e procuro qualquer resquício seu. Me vejo delirando entre ruas e bairros, gritando com estranhos por socorro. Preciso das drogas mais fortes, quero fugir da minha lucidez de ausências e me dão um mísero cigarro. O relógio dosa de forma dolorosa o nosso tempo.  
E depois da recuperação eu me odeio, pela minha fraqueza, pelo meu exagero de mais uma vez e sempre. As ruas são os corredores vazios e frios, os gritos são jogados para fora da janela desse andar não tão alto, os túneis escuros refletem a não iluminação proposital do quarto, da sala, de mim. Não aprendi a dosar, é sempre aquela história de oito e oitenta. Pulo do abismo que criei, sozinha, mas a queda nunca chega. O fundo do poço é sempre mais fundo do que a gente espera. Eu só queria ser uma menina protagonista de romance romântico clichê. Quero de volta os meus passos perdidos nas esquinas nessa eterna busca, recuperar o fôlego que perdi nos gritos que ecoaram entre os túneis escuros da cidade e não chegaram a você, trazer de volta a segurança plena e perfeita da mulher que eu era antes de desmontar-me em pedaços de mim toda vez que você se vai.
Essa noite caminho pelas mesmas ruas, remontando cenários e cenas que vivenciamos não muito antes. Percorro as nossas cafeterias e restaurantes, fechados, e pela vitrine vejo o nosso encontro de ontem. Ajeito a gola da sua camisa, torta mais uma vez, mas a vidraça fria é a única resposta que encontro. Refaço a nossa volta, rio daquela cena que vimos durante a volta, até que chegamos. Vejo a luz acesa dentro de casa, consigo visualizar tudo o que acontece ali dentro. Toco a campainha (com a chave no bolso) e aguardo na soleira da tua porta, mais uma vez e sempre. 

maio 07, 2017

Eu que não bebo pedi uma dose


Moço, deixa eu te contar só mais uma. Você tem tipo daqueles caras babacas de bar, esperando que a bebida me engula para que mais tarde você tente o mesmo. Mas queria te contar umas coisas minhas, tão minhas que eu posso apenas espalhar para caras como você. Meu nome é aquele retirado de algum rótulo de bebida barata. Minha idade é baseada na minha vestimenta de menina-adulta-bem sucedida-carente. Você viu tudo isso tão fácil que não precisei jogar, o esteriótipo já estava pronto na sua cabeça. Vou te contar dramas que você vai rir e dizer que é bobagem, e vai querer me abraçar como consolo só pra chegar próximo dos meus seios. E eu vou esquivar, mais uma vez. 
Você repara no meu copo sempre cheio, me incentiva e até me banca em muitas doses com gosto de mijo e açúcar. O álcool desce rasgando, e eu disfarço as lágrimas de sempre com a minha fraqueza com destilados. Mas moço, você não vê. Vomito histórias e traumas em cima de você e disfarçando você me paga mais um. Paga e apaga a minha história, anula essas frases todas que eu estou te falando com mais esse copo com pouco gelo. 
Você já bebeu algumas tantas, eu vejo seu olhar rodar um pouco e a mão estar meio mole. Mas eu continuo. Porque eu preciso te contar que a realidade do sóbrio é cruel. Moço, olha para o meu rosto e encontra as olheiras que eu não escondi. Repara nas marcas do meu rosto cansado, no meu sorriso frouxo amarelado. Vê a lágrima que secou na bochecha durante o terceiro ou quarto pedido. Segura a minha mão fria e trêmula enquanto tô aqui pra te contar tanta coisa.  É tão difícil. Você não acha? 
Eu peço para que você olhe nos meus olhos e ouça os gritos da minha alma, mas você olha para as minhas pernas. Escuta, só mais dez minutinhos, o bar vai fechar e a gente vai cair de bêbado na calçada e você vai tentar me levar pra casa e. Por favor, ainda temos um tempinho e eu preciso tanto. 
Queria que soasse bonito, como a avenca partindo, mas o Caio não me ensinou essa. Você pergunta se Caio é algum ex-namorado e eu digo com uma risada amarela que sim. Você não percebe, mas fico roubando textos e frases de autores, porque é muito mais fácil se esconder na palavra alheia. Suplico entre goles: me traduz, lê cada entrelinha escondida nessa minha fala desconexa. Cada gota que eu não bebo é mais uma razão para que você me force mais um drinque. Mais um, e outro, outro, até que meus dedos formiguem e eu já não reconheça nomes ou formas.
Porque sabe seu moço, eu vivo sóbria. A minha vida é vivida na carne, esfolada sem anestesia. Os cortes profundos doem como a morte, e os superficiais ardem inesgotavelmente. Você não sabe como é isso, porque o garçom já sabe seu nome e bebida preferida, o nome dos teus filhos e da tua mulher. Mas eu sei, moço. Eu sei o que é ter uma decepção e sentir ela na pele, corroendo durante dias, meses e anos, sem intervalos. Eu sei como a dor dos dias passa lentamente e as desilusões nunca somem. Vejo tragédias que matam e torturam os outros e o meu sentimento de culpa não some. As mulheres abusadas, as crianças mortas, a fome, o frio, a porra da vida! Mas você não sabe, você as engole em um único gole e tudo bem. O clichê da "vida segue" afundado num copo de bebida funciona muito bem pra você. Mas a minha vida estanca. Eu parei aqui e vi a sua mulher preocupada em casa enquanto você me canta com piadas infames. 
Olho para frente e o espelho do bar mostra a figura que eu mais temo encontrar. Enquanto sóbria eu vejo cada mínima cicatriz em zoom. Os olhos fundos de noites mal dormidas, de trabalhos acumulados em pilhas de papéis na sala, a maquiagem borrada de mais um dia difícil e lento. A vida é lenta, meu bem, você não acha? Não, não quero dizer que eu gosto da forma mais lenta. A vida, tô falando da merda das nossas vidas. Ela passa em câmera lenta para que a gente curta cada momento ao máximo. Meu uso frequente de palavras-chulas-não-convencionais faz você me chamar de menina travessa e eu tenho vontade de chorar. 
O bar está pra fechar, você pede a saideira e eu rejeito. Não. Mais uma e eu sei que me perco. Eu não bebo, sabe. Pedi uma dose aqui e outra ali pra tentar ser como os outros, mas o resultado foi falho. Mais uma vez. Hoje eu quis colocar essa fantasia que você caiu só pra achar um bobo como você para me ouvir. Vai para casa, toma um banho, dá um beijo na sua mulher e dorme. Porque eu tô indo no meu caminho incerto, de passos tortos e sóbria. Sempre sóbria.  

março 08, 2017

Quem é a mulher da sua vida?



Hoje é dia 8 de março, conhecido também como dia internacional da mulher. 
Então eu te lanço essa pergunta: 

QUEM É A MULHER DA SUA VIDA?

A mulher da vida são tantas. 
A mulher da minha vida é uma guerreira. Esse é um adjetivo clássico e batido, mas eu acho pertinente sempre. É uma mulher que criou duas filhas sozinha. A mulher que conseguiu fazer com que essas duas meninas crescessem rodeadas de amor, apesar de todos os pesares. A mulher que conseguiu fazer nascer amor próprio em meninas que cresceram ouvindo o quanto eram gordas e feias. Hoje essas meninas se olham no espelho com um sorriso no rosto. Porque a minha mãe me ajudou a acreditar que eu conseguiria emagrecer, se o meu problema fosse meu peso. Mas, principalmente, minha mãe moldou meu caráter de forma que eu não precisasse mais acreditar em bobagens que escutei e escuto. Minha mãe lutou, e luta, todos os dias comigo para ser uma mulher cada vez melhor. E você é. Seremos sempre.
A mulher da minha vida ainda é um pouco pequena, mas grande em todas as suas atitudes. Ela ainda assiste desenhos da Disney com os brilhos nos olhos de uma criança, mas tem uma alma doce de mulher adulta batalhadora. Ela está, dia após dia, lutando contra todas as barreiras da vida e vencendo. E eu tenho muito orgulho de ter plantado sementinhas em você e vê-las florescer. A mulher da minha vida ri com os olhos e bochechas (que quase não existem mais), e sorrindo segue seus dias de guerreira. Somos filhas de uma guerreira, o que mais poderíamos ser, não é mesmo? Venceremos juntas, mesmo que longe. 
A mulher da minha vida continua tendo meu sangue, e até mesmo roubei-lhe algumas características físicas que nos fazem ainda mais próximas. Ela me ensinou o que era o feminismo enquanto cozinhávamos gordices para assistirmos algum filme. Foi ela quem me fez mergulhar nesse mundo literário (e feminista) que eu não sabia que gostaria tanto. Ela me ensinou o que é ser mulher, mãe, professora, e nunca descer de um salto. Enxugamos nossas lágrimas juntas tantas vezes, compartilhando nossas inseguranças e injustiças que a vida nos trouxe (e ainda traz). Mas ela se levanta, com a cara maquiada, o perfume marcante, o cabelo sempre bonito, com um sorriso no rosto. E é por essas e outras que tenho tanto orgulho quando me dizem que somos parecidas, que sou a sua versão "mais nova". Eu sei que você vai superar essa barreira e tantas outras que virão. 
Há duas mulheres que me fizeram (e ainda fazem) mais forte durante parte da minha vida. São duas mulheres que discutem as injustiças femininas enquanto tomam sorvete. Mulheres que conseguem citar para você as leis que defendem ou oprimem as demais mulheres, e se revoltam com a justiça mal feita do nosso país. Mulheres que viajaram longe e viram situações revoltantes de meninas, e com isso criaram um sentimento de luta e esperança. Mulheres que assumem os cachos sem medo de padrões, e são ainda mais lindas por isso. Mulheres que eu tenho orgulho de chamar de amigas.
Durante a graduação encontrei algumas mulheres da minha vida. Mulheres que no meio de alguma teoria, seja linguística ou literária, conseguiam inserir a mulher em seus textos. Mulheres que eu já vi, em uma conversa com suas filhas, ensiná-las a serem "mulher" desde pequenas. Ensinando-as sempre a não se submeterem a padrões, a lutarem por seus direitos enquanto meninas, a serem empoderadas desde sempre. Mulheres que eu vi, mais de uma vez, lutando pelas mulheres com um texto xerocado durante a aula. Eu jamais achei que isso seria possível até conhecer todas vocês. Obrigada por me ensinarem que tudo isso é possível, que eu posso ser mulher, ser mãe ou não, ser solteira ou casada, e ainda assim, ser feminista. Vocês são um exemplo de mulher e profissional. 
A mulher da minha vida são todas as amigas e colegas que fiz durante o caminho. Amigas que sentam na mesa de um bar e discutem preconceitos que sofreram por fugirem dos padrões, discutem com machistas e assumem, sem medo, sua postura de mulher feminista. Amigas que nunca vi, ou conversei pouquíssimas vezes, mas que estão juntas lutando por uma sociedade mais justa. Somos todas irmãs nessa causa. Agradeço o apoio de sempre e, principalmente, os ensinamentos de todo dia. 
Eu queria dizer, por fim, que a mulher da minha vida também sou eu. Sou eu que estou todos os dias na minha pele rabiscada, no meu corpo fora de padrões, no meu corte de cabelo diferente, lutando contra todos os preconceitos e dificuldades que nós enfrentamos. Sou a mulher que se olha no espelho e luta todos os dias para se achar bonita. A mulher que se convence, dia após dia, que é suficiente, que é capaz. 

Por isso hoje, repita comigo sem medo: sou bonita, sou inteligente, sou capaz. 
(E você é. Não somente hoje, mas todos os dias). 

fevereiro 21, 2017

A faculdade vai ser o pior e o melhor período da sua vida

(já aviso que esse texto é baseado completamente em experiências particulares, ou seja, você pode ou não concordar/ter vivenciado nada disso) 

Eu acabei de terminar uma graduação e faz tempo que venho pensando em escrever umas coisinhas sobre. Vou começar com o clichê: 

A faculdade vai ser o pior e o melhor período da sua vida. 

Você vai chorar. Muito. Você vai chorar antes das provas. Você vai chorar depois das provas. Você vai chorar pelas avaliações pessoais e acadêmicas pelas quais vai passar. Você vai sair com tanta raiva de pessoas e professores em certas noites que vai ser difícil dormir. Você vai odiar o primeiro, o segundo e até mesmo o último ano da sua graduação. Você vai querer desistir um milhão de vezes. Você vai pensar e repensar se esse era o curso certo para você (e existe o curso certo no fim das contas?). Você vai se sentir injustiçado, amedrontado e muitas vezes solitário.  Porque você faz um curso sozinho, são suas provas, suas notas, seus problemas. Não tem família que vá para a diretoria reclamar, não há amigos que possam te dar uma mão em certos casos. Você vai cair e levantar sozinho todas as vezes. Você vai sentir uma vontade imensa de gritar, de fugir, de sumir. 

Mas ao mesmo tempo, quando aquele resultado de prova sair e você ver uma nota azul e um elogio, você vai querer pular, divulgar pelos corredores, fazer um cartaz. Porque você conseguiu. Você vai sentir um prazer imenso quando aquele professor dá uma aula que te inspira, e você vai comprar todos aqueles livros e ao fim de cada leitura sentir algo que te preenche (e te esvazia, porque quanto mais se lê mais é necessário que se leia). Você vai encontrar amigos (e vai perder os desnecessários). Você vai apresentar em eventos e sentir um frio no estômago toda vez. E vai querer chorar de alegria quando te elogiam e reconhecem o seu esforço. Você vai participar de projetos e pesquisas que vão te enriquecer de uma forma inimaginável, te darão tantas experiências (boas e ruins), tanta dor de cabeça, mas também reconhecimento. Porque você conseguiu mais uma vez. 

Você vai chegar no seu último dia e sentir grato por tudo que passou, por toda a ajuda que recebeu, por todo conhecimento que adquiriu. Mas, principalmente, vai sentir um alívio tão grande por ter acabado. E acabou, senhores e senhoras. Eu juro que não parece, que demora, mas um dia acaba. 

Você vai ter um histórico com todas as médias acima de 70. Você vai ter sido aprovado em todas as matérias sem nenhum exame. Você vai ter duas aprovações de mestrado.

E você vai estar morrendo de medo do próximo passo. Você vai estar mais uma vez diante desse mundo desconhecido que te amedronta, com medo dos choros e das avaliações (pessoais e acadêmicas) que te aguardam. 
Mas você vai.  

Não desista.