novembro 24, 2014

Eu plateia de mim


Mais uma vez mergulhada em um lugar que não é aqui, nem na cidade vizinha, onde as coisas acontecem do modo que quero. Mesmo que eu nem realmente saiba o que quero de fato. A situação se desenrola antes que eu perceba, o cenário está montado, os personagens muito bem escolhidos e as ações continuam sem que haja algum narrador. Estou na platéia, mas assisto meus próprios atos. Ouço minhas próprias falas que não decorei, mas cada vez que saem da protagonista ecoa em mim. São minhas aquelas palavras, mesmo que eu não saiba, que eu não queira, que não possa, elas estão ali sendo proferidas. E para quem? Os personagens trocam de cena, mas eu continuo sempre ali. 
Nos últimos atos tem aparecido sempre o mesmo, ele é novo por aqui. Mas por mais que seja iniciante nesse meu espetáculo parece dominar muito bem a cena com movimentos seguros e risadas contagiantes. A platéia, entretanto, está apreensiva. Enquanto este está aqui, atuando com suas belas palavras, há alguém na coxia que não deveria aparecer em cena, mas todos conseguem ver. Ei, por favor, deixa só mais essa cena. Agora é aquela hora que ele me conta mais uma vez um segredo e eu arrepio até a alma porque seus segredos andam desnudando os meus. E depois disso tem a cena de uma risada tão tranquila, um olhar meio marcado em uma noite de luzes e... É o fim. As cortinas se fecham, mas ainda consigo enxergar o palco com seu cenário e personagens. 
Da platéia tento me alertar para não continuar, não me deixar levar por essas palavras que são tão minhas, mas que não podem me carregar. Não agora. Mas a protagonista parece feliz, e é tão bonito ver ela assim de novo, como se estivesse sendo renovada. No fundo sei que é passageiro, ela também sabe, mas sente falta dessas coisas bobas de início. Analiso meus atos, a mão no cabelo constante, os olhares longos que querem dizer tanto sem de fato pronunciar nada. Lê nos meus olhos o talvez que nasce em mim, ouve essa dúvida que está gritando nesses segundos que não desvia também seus olhos. 
Várias músicas tocaram entre as cenas, e mesmo agora nesse intervalo consigo ouvir uma vindo do fundo. Reparo na platéia que não existe mais, há um único assento ocupado na fileira de cima. E ironicamente ou não, estamos ambos assistindo-nos em um mundo que não existe. Mas agora, aqui, vendo aquela cena, eu deixo que exista. A música vem de você, o que não seria diferente. Não sei quando este espetáculo acaba, pois as cortinas já estão fechadas e consigo nos ver ali. Então deixo que dure, e que exista, pelo menos assim. 

A gente culpa esse ano, e tá tudo bem. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Liindo, lindo... Continue assim, vai longe. Parabéns ;)