dezembro 12, 2014

Falso script


Às 15hrs sempre foi a hora do café. A tarde ociosa clama por alguma coisa diferente, e mesmo sem fome busco algumas bolachas. E mesmo sem sede, preparo um café. E mesmo sem cansaço, me sento lentamente na cadeira da cozinha e contemplo aquela refeição aos suspiros. É só mais um lanche qualquer em uma tarde da semana, mas ao olhar aquelas bolachas dispersas e uma xícara quente penso: por que? Não tenho fome, e estou aqui. Não tenho sede, e até esquentei a água para um café que nem gosto tanto assim. 
Às 23hrs me deito. Não estou com sono, mas é hora de deitar. Não estou com vontade de deitar naquela cama enquanto observo mais uma vez as mesmas paredes incompletas, ligo e apago a luz diversas repetidamente para admirar o céu de estrelas falsas que logo perdem o brilho. Tudo escuro. Às 02hrs sinto que deveria dormir, mas meus olhos não querem se fechar. Fecho. É hora. Mas não há sono, não há vontade alguma de continuar ali. Não devo ler, não é hora. Não devo ligar o computador, já passou da hora. Não devo me levantar e ir contemplar o céu, mesmo que nublado, afinal, é hora de dormir. 
Às 21hrs era hora do intervalo, tinha uns grupos que saíam e eu deveria sair. Mas não queria. É a hora de passear por aquelas rampas, expor a figura para a platéia sem graça de sempre, talvez comer alguma coisa. Mas eu não queria mostrar pra ninguém a minha cara sem graça, nem comer coisa alguma. É hora, fui. Andei tantas vezes, caminhando a esmo, ouvindo vez ou outra uma conversa de algum colega. Mas só porque era hora. Já podia ir pra casa? Não, ainda não (e onde, afinal, é sua casa?).
Aos 16 era hora de soltar os cabelos, passar maquiagem, e deixar ser admirada por alguém. E admirar de volta. Não queria, mas mesmo assim deixei que os cabelos crescessem e observei. Aceitei todas as regras, segui o roteiro, não fugi ao script. Estava eu lá, passeando de mãos dadas. Porque eu devia, era preciso. Mas meus passos não acompanhavam o mesmo ritmo, não sabia o quais eram as falas e minha encenação nunca foi muito boa. Teatro me apavora. Estava mais uma vez servindo de personagem numa vida que não é minha. 
E quando é que eu vou deixar de obedecer? O lanche da tarde foi agora a pouco e mesmo sem fome mordisquei bolachas e tomei o café já meio frio. Os 16 voltaram, com novos rostos e gostos, mas ainda continuo ruim. Não sei se continuo com o espetáculo, o camarim já está alagado de lágrimas que escondo enquanto o palco mostra um sorriso. Mas tá no roteiro que eu devia aceitar, devia seguir, devo continuar. Olha só aquelas falas, tão decoradas de filmes clichês, deveriam fazer-me saltar o coração e não apunhalá-lo a cada sílaba. Por favor, não repita tanto aquele conjunto delas, é a hora certa mas ainda não acertei o relógio para tanto. 

Daqui a pouco é noite de sexta, e eu devia sair. E vou. 

Nenhum comentário: