novembro 06, 2014

Aquarela


Um pinguinho de tinta caiu aqui no pedacinho azul do papel e nele mergulho. Esse mar que mesmo sem águas, sem ondas, sem nada, me afogou. Estou submersa em um mundo que não é meu, não é teu, não é nem ao menos mundo. As borboletas voam e o barulho das suas asas batendo me traz a paz que nesse mundo tão conhecido não existe, ninguém escuta. Qual é o som do bater das asas? Elas nem batem, talvez te respondam. Mas agora eu escuto. O caminhar das águas, o rio que não existe e escorre logo ali na colina. É um mundo tão bonito, tão tranquilo, tão imenso. E essa imensidão me invade sem que eu ao menos tenha tempo de prender o ar. O ar se vai. A tranquilidade não existe, a pressão sufoca. O bater de asas me assusta, o riacho parece perto demais. 
Então uma mão segura meu dedo, um leve roçar de pele, dedos maiores que os meus protegem a minha mão que fora sempre tão pequena. Deixo que segure-a com força. Aperta minha mão como quem quer abraçar minha alma que agora mergulha nessa imensidão de um mundo azul. Sinto sua respiração próxima, seus dedos percorrem meus braços e descargas elétricas correm em mim. Dentro dos seus olhos há uma luz que ilumina todo o resto e me cegam. Meus olhos são teus, porque já não há borboletas, riachos, nem nada mais. Percorro seu rosto com as mãos como um cego desenha as pessoas pelo tato. Quero te desenhar em mim. Desenhar seu rosto e decorar cada fio da sua barba mal feita, contornar sua boca com o dedo para saber exatamente qual a linha que corta seu sorriso. Seus olhos se fecham lentamente e eu não quero fechar os meus mesmo sentindo que talvez seja o momento certo. 
Em um piscar de olhos sinto você longe. Não consigo desenhar seu rosto. Minhas mãos estão soltas e vazias. Nenhuma corrente elétrica passa pelos meus braços. O vento voltou a ser frio. As borboletas me ensurdecem com seu bater de asas. A pressão me deixa tonta. O ar é pesado. O mar sem águas diminui, e diminui, e diminui... Então estou de volta. A folha azul continua aqui. Vazia. Ambas estamos. Não há mais pinguinho de tinta com o desenho do teu rosto. Às vezes, o que a gente tem é uma tela assim, azul. Um mundo imenso que só não me traz você. Mas talvez outro pinguinho de tinta caia, e a gente crie aquele castelo pra nós dois. 

E com o lápis correndo pela mão eu espero desenhar a sua.

Um comentário:

Jeniffer Yara disse...

Lara, tua escrita é tão linda e poética de uma certa forma que fico sem saber o que comentar com um texto tão lindinho como esse <3

Beijos