setembro 09, 2014

Confissão


Essa não é mais uma de amor. Essa é minha. É a minha vez e eu preciso deixar gravado aqui os motivos desta. Não é fácil quando você percebe que suas camisetas não te servem mais, vezes sobram nos lados ou apertam nas mangas. Quando teus sapatos já te apertam os dedos e causam aquele desconforto a cada passo. A cama ficou pequena e você se vê tendo que dormir com os pés para fora do colchão. A casa está grande demais, há quartos vazios e banheiros sobrando. O caminho para o trabalho está tão esburacado que não é mais permitido a passagem. A faculdade de tão cheia, não te cabe mais. A cidade ficou pequena para seus planos, não tem mais espaço a percorrer. As palavras não sabem encaixar-se com as demais, tornam-se assim, sentenças como essas, perdidas e sem sentido. Não há mais encaixe. Não há mais espaço até mesmo para esta. 
Há uma palavra faltando, como que se a frase ficasse pela metade. Isso tudo foi apenas uma metáfora do próprio eu-lírico, que hoje a gente dispensa os professores e seus discursos de sempre, porque sim, o eu-lírico sou eu que escrevo e ponto final. Por mais que digam que não, sempre acreditei nisso e me coloquei aqui. Hoje sou eu que me (des)completo nestas frases mal ditas. Estou presa entre sentenças que não me comportam. E aqui há outra metáfora, pois vivo entre sentenças que já não me representam e talvez jamais o façam. A casa não é lar, a cidade não é minha, a faculdade não me encanta. Havia tantas esperanças de início, os anos passam e a gente tenta levar todas elas no bolso, quietinhas, mas no meio do caminho sempre aparece uma pedra que nos faz tropeçar e derrubar todas. E há uma gritaria sem fim. Um berreiro que só. Uma choradeira de semanas. E foi assim, numa dessas pedras do caminho as esperanças tornaram a aparecer e querer uma resposta definitiva. Se não me serve, por que tentar vestir? Se não me encanta, por que continuar? Se não me cabe, por que não mudar? 
Mas enquanto as esperanças me lotam, a coragem me escapa pelo vão dos dedos. E eu fico aqui a tentar buscar estes grãozinhos que restaram pela palma, tentando juntar um montinho que me baste, mas nada me basta. É preciso muito de mim para que eu consiga finalmente tornar-me minha. São tantas escolhas baseadas em terceiros, tantos destinos escolhidos por valores, e assim vou ficando no "entre outros", escondida no "etc", presa entre reticências. Só que eu precisava dessa. Hoje mais do que nunca as palavras ditas em cada cinquenta minutos me fizeram crer que tudo é muito lindo, mas não é meu. Tudo é muito interessante, mas não faz parte de mim. E é tão difícil quando a ficha aperta na metade do jogo. Ainda tem quarenta e cinco minutos, dá tanto pra perder ou pra ganhar. Só que já não sei o que essa metáfora quer dizer. O que seria o meu ganhar? E o perder? Analisa pra mim esta metáfora professor, pode ser em espaçamento simples e o número de linhas é de acordo com a sua argumentação. 
Não há finalização para essa. Posso até colocar um ponto final só para ilustrar e não fugir à regra, mas o fim não chega. Não há solução possível para essa minha equação mental. Não hoje. Nem amanhã. Ainda há muitos cinquenta minutos, caminhos esburacados para escolas e discursos exigindo a licenciatura, a qual admiro, mas recuso a oferta, muito obrigada. Agradeço todas as oportunidades, parabenizo a mim por ter conseguido chegar até este patamar, mas ao mesmo tempo me condeno por ter sido justamente este. Confessando de frente para o espelho, nunca foi este o local planejado. É como se alguém tivesse roubado o meu script e modificado. Pena ser eu mesma a minha própria ladra. Eu me roubei. Eu me condenei a este destino. Eu me deformei a ponto de não caber mais em mim. 

No pódio de dificuldade, esse texto está prestes a ocupar o primeiro lugar.
No pódio de particular também.

Um comentário:

Blog Floresça disse...

Também tenho um blog. Acompanho o seu sempre, gosto muito! Li o Confissão desde o dia do post e acho que só hoje consegui me adequar nele, adoro quando algum outro texto (que não os meus)se encaixam em momentos que vivo. Parabéns, tá?!