março 22, 2014

Direção


Don't keel over now, don't keel over.*

Vira a chave. Engata primeira. Dá partida. Deixa nessa velocidade lenta e batida mesmo, continua com esses solavancos como que se nos levasse amarrados. Todo cuidado é pouco, quem sabe, sem querer, a gente acelera e bate naquele muro dali e destrói essa muralha de pneus velhos que protegem um algo desconhecido. O que há por trás de toda essa borracha? O que há por trás dessas muralhas que montei em cada esquina, a cada semana, e tenho tanto medo de esbarrar? Diminui. Vire a esquerda. Abre mais a curva, a linha amarela não é permitida. E é sempre ali. A cada curva. A cada esquina. Nas mudanças de rota me vejo atropelando palavras, destruindo muralhas, acertando inocentes que passeiam pelas minhas ruas. Desculpem-me pedestres, eu nunca fui muito boa com velocidades. Seja a falta ou o exagero. 
Há uma prancha de uns três metros de palavras ditas em situações difíceis. Elas me fazem ficar nas pontas dos pés. Respiração lenta. Velocidade acelerada. Medo. É sempre tão difícil conseguir manter-se em uma única direção, o espaço é tão pequeno. Desabo vez ou outra pelos cantos. Outro erro. Desculpa, eu não devia ter deixado seu caminho, foi um deslize pequeno, tão rápido, não foi por querer. Aconteceu. A reprova seria imediata se tivessem espectadores, mas hoje sou só eu. Dessa vez passa. Mas a cada passada as lembranças me atordam e volto a cair. A consciência rouba meu equilíbrio e o que seriam três, se tornam seis, oito, dez, quilômetros sem fim de memórias. 
Uma curva mal feita, erros sendo sussurrados dessa e daquela outra vez. Uma linha reta, tranquila, os dias passando leves e soltos. Não existem erros aqui, não há medo de atravessar rápido demais. Não solta da minha mão, aqui a gente pode seguir. E sem pressa, mas correndo, essa eternidade de minutos se acaba no obstáculo seguinte. São os problemas. Os medos que surgem durante aquela tarde ou outra, no meio daquela conversa meio desconversada, de uma voz meio rouca. A velocidade diminui. Há certos sentimentos que saltitam confusos e sem direção. É preciso uma parada brusca ou um empurrão de vez. E dá tanto medo, moço. Por favor, não me faz escolher entre parar e continuar. É preciso ir, a gente deve continuar, mas todos essas vozes atordoam-me. E numa velocidade baixa, baixíssima, a gente passa. Não deveria ser assim, mas é assim que é. Sentimentos nunca foram fáceis de ultrapassar. Ou deixar que passem por você. 
Há empecilhos na pista. Alguém deixou certos resquícios do passado e é preciso desviar. A velocidade sempre diminui nessas casos, é mais certo. Nesse momento precisão é fundamental. Passo por esse e aquele caso, e você passa por aquele outro e um que sempre nos desequilibra. Desculpa, deveria ter tirado esse do caminho. Tento na próxima. E a próxima sempre vem e tem alguém a ser retirado. Derrubam-nos vez ou outra, machuca de leve na pele e as vezes deixam certas lesões internas. Passa. A gente desviou mais uma vez, passou, passamos, e passaremos até que seja possível. Até que ambos queiram que nenhum desses empecilhos sobressaiam. Obrigada por guiar naquele momento de desequilíbrio, foi meio difícil continuar em linha reta, deu uma vontade insana de curvar para a direita mesmo não tendo pista, e talvez entrar de cara num desses muros de borracha. Taí, talvez escondam alguns erros. Talvez escondam uma parte de mim que olha, não precisa encontrar agora. Deixa para depois. 
A pista ainda segue, não sei dizer os quilômetros, os dias de chuva nublaram nossas perspectivas. Mas assim é melhor, a gente para de focar no fim e começa a trabalhar em cada curva acentuada ou sinalizações confusas. Olha, tem uma logo ali, eu não conhecia. Me ajuda? É para continuarmos na velocidade que estávamos, seguir em linha reta até o fim. Até porque os dias são tão leves e o riso tão solto, a velocidade acelera vez ou outra, mas a gente não corre o risco de esbarrar nessas linhas amarelas. O limite a gente que faz. 
Troca de marcha. Acelera. Mantém. 
Aonde essa estrada leva eu não sei, e tá tudo bem, por enquanto a gente não precisa saber. 

Nem aqui consigo fugir da rotina. 

Um comentário:

Thayná Porto disse...

Como sempre lindo o texto, muitas vezes quando leio o seus textos é como se não estivesse sozinha nessa(rrsrs).Me sinto feliz por ter algo que me define, nem que seja um simples textos.. Sabe quando você precisa de um amigo que te diga o que você é? Pois é muitas vezes as suas "Memórias Escritas" se tornam meus amigos.. <3