outubro 30, 2013

Futilidades de quarta


A heart that's full up like a landfill, a job that slowly kills you, bruises that won't heal.*

Essa é mais uma noite em que deixo-me diluir entre essas letras. Um pouco de mim escorre entre meus dedos e acabam manchando essa folha branca, essa camiseta branca, a colcha da cama, o dia de sol, amarelando o sorriso. Mas tem uma multidão inteira ao redor, fazem eco, gritam elogios e piadas que já achei graça um dia, hoje não me fazem rir. Sim, sorri essa vez e aquela outra, mas por dentro grita uma vontade de voltar para casa mesmo sabendo que não há casa para voltar, talvez um teto ou outro com alguns poucos livros na estante, isso e só. Isso que não tem nada de meu, a energia se mistura os outros que ali residem, e a minha energia sempre querendo ser presente se tranca num cubículo pequeno onde me escondo durante os dias, resultando numa fuga sem destino, onde não há para onde e nem para quem fugir. Quem vai querer ouvir essas falácias nada clássicas como as da gramática? Onde acolhem pessoas que não querem que as acolha mas sofre de solidões repentinas? 
As pessoas surgem com tanta velocidade e seguem o mesmo ritmo ao irem embora pela porta dos fundos. Por favor, não saia. Mas também, por favor, não fique. Seus sapatos já marcaram demais o carpete que talvez não saia na primeira lavagem, e manchas nunca me fizeram bem. A primeira lavagem enfraquece tão pouco que nem parece ter sido lavada, ainda há fortes resquícios de quem ficou mais tempo do que deveria. E todas essas pequenas marcas sendo deixadas vão ficando por tanto tempo que até o espelho se acostuma. Só que numa quarta a noite tudo dói, principalmente cada pequena mancha no tapete, toalha de mesa, camiseta, colarinho, batom e coração. A mancha do rímel é a que dói mais, porque o olho preto acaba escurecendo toda a visão de possíveis melhoras. Parece até que não há mais futuros, apenas essa mancha preta ao redor dos olhos como quem diz que está de luto. Nunca mais chorar, nunca mais se apegar, nunca mais diluir-se. Até que alguém toca a campainha e resolve pisar no seu carpete que diz ironicamente um "seja bem-vindo" sem ter notado a placa no portão dizendo "sujeito a guincho" mesmo que não haja garagem. 
O guincho vem sempre no mesmo horário, se a pessoa resolve ultrapassar normalmente acaba levando alguma coisa. Tem gente que leva um olhar, um beijo, ou pior, um texto. Não gosto desses, por isso quando está ficando meio perto do horário ligo para que venham mais cedo: "Ei, moço, já pode vir porque a mancha tá ficando meio funda e não quero que marque meu jardim". Ainda desejo plantar flores novas após a sua passagem, flores amarelas na próxima, talvez violetas depois do outro e por aí mudar as estações. Sendo estas mais profundas e duradouras que muitas pessoas. A efemeridade com que tudo isso acontece me entristece. A rapidez com que as coisas vão e voltam nem sempre é uma solução, porque ao mesmo tempo que a tua dor se foi com rapidez a tua felicidade também vai. Ao mesmo tempo que aparecem cinco na tua porta no decorrer da tua semana, todos uma hora ou outra vão embora também. E assim os dias vão seguindo, com eternidades de dias, semanas, no máximo um ou dois meses. Pessoas efêmeras e suas futilidades...
Hoje foi isso, vim aqui para falar dessas manchas que aparecem e resolvem ficar por um tempo, ou daquelas que nem mancham, apenas passam e na primeira lavagem se vão. Adeus, até um próximo reencontro sem graça que gere algum assunto fútil. Porque as pessoas são assim, se lotam para continuarem vazias numa quarta a noite. Se maquiam para esconder a aparência feia de dentro. Gritam e cantam e dançam pra esconder os ecos do silêncio. Se relacionam com trinta, para que em trinta minutos depois daquela festa se encontrem com a solidão que escondeu em cada cara diferente. São tantas máscaras que talvez não saibamos mais reconhecer nosso verdadeiro rosto. São tantas pessoas que já não sabemos nos completar sem elas, e mesmo com elas a lacuna persiste. Não há mais encaixes, não há conversas que se cruzem, não há mais aquela história de espaços de dedos feitos um para o outro. Não há, simplesmente acabou. A gente completa nossa mão direita com a esquerda, a esquerda com a direita, e o coração anda sozinho porque não precisa de ninguém. Talvez só agora, numa quarta a noite, porque a música tá tão triste e não dá nem pra pegar a solidão e dançar como diria um ou outro por aí. Mas passa, afinal, a vida é efêmera e tem lá suas grandes doses de futilidades. 

Mas ainda é quarta feira, temos uma semana, dois meses, e alguns anos. 

4 comentários:

Gilstéfany disse...

Se você ficar sozinho... pega a solidão e dança ♪ mesma apatia por quartas — http://www.nothingelse.com.br/2013/09/quarta-feira.html — bonito de se ver, ou melhor, ler.

Unknown disse...

nossa Larinha, que profundo. adorei o texto!!!! Parabéns!!!!

Luiz Luna disse...

Tá muito com cara de fluxo de consciência, sem estar penoso e chato como a maioria fica.
Me fez pensar porque eu gostei mesmo tendo raiva de fluxo de consciência. Não acho que seja por partilhar dos pensamentos que colocou, mas porque eles me foram conhecidos, e se apresentaram de forma nova.
Ah, é só pra dizer que gostei :)

Luiz Luna disse...

Tá muito com cara de fluxo de consciência, sem estar penoso e chato como a maioria fica.
Me fez pensar porque eu gostei mesmo tendo raiva de fluxo de consciência. Não acho que seja por partilhar dos pensamentos que colocou, mas porque eles me foram conhecidos, e se apresentaram de forma nova.
Ah, é só pra dizer que gostei :)