novembro 10, 2013

Sujeito simples


Ah, my unhappy, my unlucky, and my little, oh, girl blue.*

Um suspiro longo. Um coração que acelera porque já não quer mais acelerar. As pernas que tremem não pelo nervosismo, mas pelo cansaço de tanto bambearem na frente de um ou outro. As mãos gélidas que não pedem companhia. A boca seca, que não quer ninguém para acompanhar. Uma pessoa trazendo um buraco no peito que faz eco conforme o vento passa. E passa. Passa. Passa... Todos passam. Todo mundo consegue deixar com que a vida passe, menos eu. Todo mundo deixa todo o mundo passar, e eu empaco. Nem o carro morre no meio da estrada, mas eu vivo deixando as pessoas morrerem em mim. E quem dera fosse em outro sentido, mas na verdade é esse sentido bem literal mesmo, de morrer e parar esticado na estrada como que gritando: "não vou sair, se quiser continuar, passa por cima". Mas eu nunca fui boa com esportes, não sei pular ninguém, não consigo. Volto alguns metros para conseguir o impulso necessário e paro no último segundo. A força se vai. As palavras são engolidas e deixadas pra próxima. E eu, fraca, continuo a arrastar-me pelas beiradas sem saber que não há caminho. Não há caminho livre se a gente não fala: "ei, moço, me deixa passar". É preciso falar, mas falar com a boca cheia e a voz em alto volume. Nada de palavras num bloco, nada de frases que contem mil e um sentidos e quem sabe na sorte alguém te entenda. Ninguém entende as entrelinhas que me parecem tão óbvias mas abrangem tanto. Abraçam o mundo e deixam minhas palavras de fora. 
Foi o limite. Talvez tenha até ultrapassado e tô aqui querendo me esconder mais uma vez dentro dessas linhas. Dá um medo danado de expor tanto assim. De falar que as olheiras não são pelos trabalhos ou provas, porque a semana de provas ainda não veio e que eu já passei, mas sim de noites discutindo em pensamento: "O que fazer agora? Como desviar mais uma vez?". Até que acabam-se as brechas, as lacunas foram todas tampadas e me vejo com a cara refletida no espelho mais uma vez. Sozinha. Há uma menina que esconde as olheiras com essa maquiagem nos olhos, inibe o cheio das lágrimas nesse perfume floral de sempre, esconde o nervosismo das unhas nervosas pintando-as mais uma vez num vermelho sangue como quem grita, ou num preto luto. Luto de mim. Luto por mim que morri há algum tempo e já não me encontro mais. Procura-se eu. Se me encontrar por aí, por favor, me devolve. Olha aí, sem perceber já coloquei um sujeito nessas frases. Não existem mais sujeitos, nem ocultos, nem composto, e nem simples. Simples nunca existiram. Sempre foram compostos, tornando-se ocultos vez ou outra, mas nunca simples. Nem mesmo eu fora simples alguma vez. Sempre sou essa que gosta de se tornar composta, que me componho de duas ou mais de mim só pra me encaixar com esse ou aquele. E oculta. Ah, esse negócio de oculta vive em mim e morre também. Compostamente eu deixo tudo oculto dentro de mim ao buscar minha simplicidade. 
A liberdade me veio e eu não soube cuidar. Logo a aprisionei numa gaiola novamente. E fui assim soltando-a e prendendo-a e perdendo-a e por fim, perdendo-me. A gradação ocorre daquela mesma forma dos poemas, só no final vemos o resultado. Pena não ter palavras mais bonitas, não ser um final daquele de encher os olhos, apenas os meus. Mas é hoje e nunca mais. Essa é mais uma daquelas promessas falsas que faço para me enganar. As palavras são minhas amigas até o momento de serem ditas por um par de olhos mais brilhantes e conter um elogio bobo. Por favor, não me diga que meu texto é bom, que meus olhos são meio grandes e bonitos, ou que gosta do jeito como pinto as unhas. É sempre o mesmo clichê, e eu caio na mesma armadilha. Armadilha que eu mesma faço, monto cada graveto e acabo ali, entretida com a isca. E BAM! Quando vejo estou cercada e não há mais como sair sem pedir ajuda. E aí vem outro sujeito. E outra armadilha. E outra composição desgastante. E outro que fica sempre oculto e aparece vez ou outra. E outra eu, que me vejo sorrindo a toa numa esquina porque o celular tocou e não era a tim. Por fim, outra escolha. Incrementei uma alternativa a mais, havia sempre a) b) e c), mas hoje tem d) nda. Moço, pega aqui o gabarito, hoje escolhi d. Nenhuma das alternativas anteriores me parecem adequadas. Eu sei que é um pouco pretensioso de minha parte dizer essas coisas, porque talvez quem não seja adequada seja eu. Quem sabe esse talvez seja uma certeza, porque quem não se encaixa nunca, sou eu. Porque quem foge sempre sou eu. Porque quem busca, depois, mais uma vez, também sou eu. 
Uma pausa momentânea. Um suspiro dificultoso pela falta de ar. Olhos um tanto quanto ardentes. Aquele conselho pregado no espelho: "vai ser melhor assim, menina". Já cantava Janis Joplin "I know you feel that you're through", e eu vou contar, Janis, vou contar meus dedinhos. E sentarei aqui mais uma vez só pra te contar que a little girl blue tem sido eu nesse último mês. Vou chorar mais uma vez sentada nesses degraus enquanto assisto a estrada esvaziar. As pessoas se levantarão enquanto fico aqui por mais um tempo. A estrada deve ser seguida, agora simplificada ao máximo dirigir não se torna mais difícil. Não é preciso fazer curvas. Mas há a maldita marcha que a gente precisa trocar de tempos em tempos quando está forçando muito. E qual eu coloco agora? Ei, você que está ali me assistindo, não tente me ajudar. Não se aproxime. Não venha me ensinar qual marcha, como ligar o pará-brisa para limpar a chuva de lágrimas do céu. Tá chovendo agora, e tem chovido em mim até nos dias mais quentes desse verão de dias bonitos. Um sol quente, um azul tranquilo no céu, uma estrada limpa, e um eu, assim, rodando sem direção. Finalmente simples. E prometo, mais uma vez, falsamente, que será assim até que os sinos toquem, que os fogos brilhem no céu e tragam mais um ano cheio de esperanças. E ano que vem continuar a simplificar os sujeitos das orações, que se tornarão mais confusas, afinal, é toda a linguística da coisa que me espera. E de linguística eu só sei dizer que o uso é o senhor da língua, e que a língua não me ajuda em nada porque me sinto uma estrangeira ao ter que dizer essas palavras. Sabe aquele medo de falar inglês em voz alta? Eu tenho medo de falar de mim e desses sentimentos que me lotam e eu engulo mais uma vez. 

Se você leu até aqui, colega, pega aqui um abraço.  Vamos juntos nessa minha solidão. 

6 comentários:

Ariana Coimbra disse...

Apenas chorando depois de ler Lara.
Quando tenho muito a dizer fico sem palavras, assim como estou sem palavras pra esse texto.
Um conselho? Escreva um livro.

Parabéns!

Beijos

Anônimo disse...

Juro que compro um livro seu.

Anônimo disse...

não acho oque você seja o problema não, você mesma disse "não me venha com esses clichês" ninguém lhe trás nada novo e isso implica em que não importam quantos sujeitos tenha, todos serão iguais...

Amanda Azevedo disse...

Lara, faz pouco tempo que conheci o seu blog e gostei muito dos textos que li aqui. <3
Adorei isso que você faz de sempre postar um trecho de uma música que tenha relação com o que escreveu. Vivo relacionando músicas com tudo em minha vida.

E essa música... óh. Sem palavras.

Seu texto é lindo. E eu espero que não se sinta assim por muito tempo. Sei como é. Me vi em suas palavras.

Beijos. Boa semana.

Caroline Gallo disse...

Lara, peça qualquer coisa, só não peça para que não sejam feitos elogios aos seus textos. Espero que saiba que não está sozinha, moça (não é legal como isso faz as coisas parecerem mais fáceis?), me vi em todas as suas frases.

Anônimo disse...

Seu texto encheu meus olhos de lágrimas, fico sinceramente emocionada com o modo que você escreve, parece tão íntimo, como se eu te conhecesse de verdade e isso tivesse sido um desabafo de amiga.
Nunca pare de escrever, suas palavras as vezes mudam meu dia.