março 03, 2013

Você me bagunça



Você chega como um furacão e destrói a pilha de papéis recém organizada de cima da mesa, deixa que eles saiam pela janela e se arrastem pelo chão da casa. Traz ventos do norte e me tonteia nessa mistura de horizontes, a respiração pesa e o mundo gira mais devagar e rápido ao mesmo tempo. Desmonta todo meu quebra-cabeça que levou meses para ser montado, cada mínima peça você faz questão de desencaixar e deixar todas presas em você como se só você tivesse o encaixe perfeito pra mim. Embaralha as cartas organizadas no fundo da gaveta, rabisca meus livros com frases suas e momentos nossos, risca meus cd's e deixa sua voz tocando no rádio. Lota meus álbuns com as suas fotos, espalha teu perfume pelo lençol da cama e no travesseiro deixa desenhado seu rosto. Tem um pouco da sua comida estranha no fundo da panela, o vidro do teu perfume no banheiro e alguns remédios também. No espelho tem o reflexo do teu rosto gravado, no chuveiro tem o cheiro do teu corpo recém tomado banho. A toalha tá úmida jogada em cima da cama e o tapete tá molhado porque você sempre esquece de se enxugar antes de sair do banheiro. 
A estante da sala está lotada dos teus livros e meus romances dançam entre uma filosofia e outra tua. A almofada da sala ainda guarda seu celular, o sofá tá virado para a tv, porque você sempre faz questão de mudar tudo de lugar. Me muda. Rasga minha rotina, risca minha agenda e escreve em todos os dias que meu único compromisso é ser sua. Esconde minhas leituras da faculdade, cancela minhas provas e diz que hoje devo estudar a gente. Rouba de mim cada matéria aprendida e me faz só lembrar de tudo que a gente já aprendeu e viveu juntos. Me lembra da tua mão na minha, do teu beijo, e da bagunça que você me traz. Deixa nos meus lábios teu gosto, nas minhas mãos têm o toque da tua pele e meus ouvidos só querem ouvir a sua voz que ainda tá tocando no rádio e talvez não pare hoje, nem amanhã. Minhas pernas se recusam a ir para qualquer lugar que não seja onde você está. E onde está você, além de aqui, dentro de mim? Já dizia a música e eu digo agora. Tem algo seu em cada canto, em cada célula, mas não tem você. Tem a sua bagunça fazendo presença, tem as suas lembranças me invadindo e minha rotina sem linha. 
A única linha que aparece é aquela que dá no teu nome na lista, a folha já amassada porque você fez questão de deixar marcado onde te encontrar. O telefone perto para que numa dessas ventanias a agenda mostrasse que só você poderia acalmar esse meu medo de tempestades fortes. Você revela meus segredos e os deixa à mostra para que eu me encontre com eles novamente. Descobre aquela sua foto que escondo na terceira gaveta, lê as nossas cartas que sempre foram só minhas mas que só falam de você, deixa meu medo de amar exposto para que o vento venha e sussurre seu nome baixinho pra mim. Como se só você fosse quem pudesse curar essas minhas feridas e me completar assim como minhas peças mal encaixadas do quebra-cabeça. Elas formam um desenho bem mais bonito em você. A estante de livros fica mais organizada quando você resolve se colocar nela, a sala fica mais espaçosa quando você muda o sofá de lugar, tua comida tem um gosto mais agradável que todos esses instantâneos. O espelho ficou mais bonito agora que mostra você. Minha agenda tá mais organizada porque já não te escondo entre um rodapé e outro. 
E toda essa bagunça é só uma desculpa para te reviver nos meus dias. A papelada foi culpa da janela aberta, o vento forte é da estação, o cheiro do teu perfume veio da rua, a toalha jogada na cama foi eu quem deixei, as cartas estão jogadas por motivo de saudade. O quebra-cabeça nunca teve outro encaixe que não seja você e minha agenda tem teu número marcado de tanto pensar em te ligar e nunca conseguir chegar ao telefone. A bagunça maior vive em mim, que fica revirando essas memórias só pra te encontrar em algum lugar. Esse é só mais um texto fora de ordem, fora de linha, e fora de mim. Porque quebrei todas as regras que me impus, deixei que você falasse mais alto no rádio e vim aqui contar. Você me bagunça, destrói minha rotina, mas talvez seja exatamente por isso que gosto tanto dessa organização falsa. Para que tenha um momento que você chegue e desarrume tudo, me deixando ser inteiramente sua.

Até o texto ficou uma bagunça, e a culpa é nossa. 

3 comentários:

Unknown disse...

Awn que fofinho! O jeito que você usa as palavras é tããão escritora de livros sabe? Você devia publicar um! Juro que ia comprar!

Anônimo disse...

Doce e poético do jeito que eu gosto.
Paixões são assim, irritantes, nos fazendo ir além dos planos, dos projetos bem calcados para ser isso ou aquilo.
Um tipo de efeito cataclísmico e silenciador quando acaba.
Mas vivo, sempre que possamos escrever.

Rosa Soares disse...

''No espelho tem o reflexo do teu rosto gravado, no chuveiro tem o cheiro do teu corpo recém tomado banho. A toalha tá úmida jogada em cima da cama e o tapete tá molhado porque você sempre esquece de se enxugar antes de sair do banheiro.''

Eu me encontro nos teus textos.