março 14, 2012

Conto: Terça feira.


Era terça. Como ela odiava terças. Terças não têm a preguiça de uma segunda nem a esperança de uma quarta, muito menos a alegria de uma quinta, são apenas...terças. E em mais uma das tantas terças que ela já vivera, sentara ali na mesma segunda cadeira do ônibus, com a mesma inquietação de sempre, a mesma falta de vontade em enfrentar mais uma semana. "Posso pular para o dia em que tudo se resolva e que eu possa ir embora de vez sem volta?" era tudo que ela pensava, repensava, e até trepensava, se é que isso era possível. Mas era só o começo de mais uma terça feira, tempo fresco, ônibus quase vazio, toda a rotina ocorrendo bem até...
- Oi, esses papéis por um acaso são seus?
Um menino, um tanto quanto atraente, lhe entrega aqueles poemas que ela tanto esconde no fundo falso da bolsa. "Como é que eles foram parar em suas mãos?" 
- Oi, ah, são sim, muito obrigada! - abre um sorriso. 
- De nada. 
Ele se vai. Ela ainda guarda o sorriso no rosto por uns minutos mesmo depois de sua partida, era difícil ver ela assim, sorrindo com as bochechas rosadas como se alguém tivesse acabado de elogiá-la. Era hora de sair, o sorriso insistira em ficar ali naquele rosto que há dias não sabia mais o que era se sentir assim, naquele pobre rosto que tudo que precisava era de um "oi" de um estranho. O sorriso combinou, ela gostou e deixou. 
Mesmo depois de horas e horas estudando, em meio á cálculos e textos chatos ela manteve o sorriso ali, consigo. Era tão bonito sorrir em plena terça feira. Afinal, é terça, amigos, hoje é terça e ela está sorrindo! Alguns colegas comentavam "que é que deu nela?" mas nenhuma palavra saía daquela boca, ali ela deixou apenas o sorriso do menino dos poemas.
- Com licença, posso sentar aqui? É que o resto do ônibus está lotado... 
Não era o menino dos poemas, era outro menino que ela já vira algumas vezes ali no ônibus, nas terças feiras, mas hoje era a primeira vez que ele se aproximara. Ela dá uma olhada e vê alguns lugares vazios, acha estranho, mas aceita.
- Claro, fique á vontade! - e retira a bolsa do assento. 
- Já te vi algumas vezes aqui rabiscando numas folhas, você desenha?
Ela ri. Lembra que das últimas vez que tentara escrever no ônibus tudo ficara horrível e torto, então rabiscara tudo. 
- Não, não... Estava escrevendo umas bobeirinhas minhas.
- Você escreve? Que legal! Deixe-me adivinhar... Poemas?
- Também. Um pouco de tudo. Mas é coisa boba sabe, nada de mais.
- Posso ver?
Ela cora, suas mãos tremem. "Será que devo?" 
- Tudo bem, mas como eu disse, são coisas bobas...
Pega alguns poemas recentes e entrega para ele, ele os elogia e diz o quanto ela escreve bem. A conversa flui com leveza, ele gosta de literatura, músicas clássicas e discos de vinil, ela se encanta, encontrou um homem parado no tempo como ela. Quando vai descer do ônibus agradece novamente aos elogios e para, seus olhos encontram ele, o menino dos poemas parado em sua frente. Estivera ele ali o tempo todo no ônibus e ela não vira? Ou ele simplesmente gostava de aparecer quando ela menos esperava? Ele sorri. Seu sorriso ilumina sua alma e faz com que o sorriso do começo da manhã volte a brilhar em seu rosto. Segue caminho para descer quando ele a impede e diz:
- São bons. Seus poemas, quero dizer, eles são realmente ótimos. Parabéns!
Então o motorista buzina alertando-a para descer, sem palavras ela apenas desce e vê o ônibus partindo com o menino dos poemas na janela, observando-a, e o outro, esse acenava pra ela alegremente da porta. Ela nunca gostou tanto de terças. 

Têm coisas que são para sempre, têm coisas que a gente não esquece, têm pessoas que simplesmente ficam. Mesmo que apareçam assim, numa simples terça, num domingo, em 2000 e lá vai bolinha... Memórias, essas meus amigos, acompanham-nos para sempre. 

"Quem tem que ficar, fica." 
Tati Bernardi.

Espero que gostem desse pequeno conto, veio assim sem mais nem menos na minha cabeça e resolvi escrever para ver qual seria o fim, aí me surpreendi porque não teve um fim. Deixo a cada um de vocês imaginar, afinal, ninguém sabe o que te espera na próxima terça feira. Ou quarta, quinta, sexta... Beijos no coração!

2 comentários:

Bia Oliveira disse...

Texto lindo, Larinha! Parabéns <3

Ana Flávia Sousa disse...

Vim ler suas memórias, e saio com a sensação de que já são minhas.
Vou ficar aqui imaginando o final desse conto... rs