maio 14, 2011

Irmãozinho


Lembro do dia que nascera, te confesso que achei que não era boa idéia mais um irmão, já estávamos ali em oito e não tinhamos tanta riqueza assim. Mas você nascera irmãozinho, e eu já imaginava nossas tardes naquele terreno correndo aos montes, roubando cruzeiros do vizinho e indo até a vila vizinha comprar doce de abóbora. Eu que já achava difícil oito, agora nove, mamãe resolve ter mais dois. Éramos 11, mas pra mim era só tu e eu irmãozinho. Tu era bonzinho, o mais quietinho, nunca reclamava tuas dores e dúvidas, penso que era por isso que tu me cativava. Era tu o menino que eu estaria ao lado até o último suspiro e vice-versa. 
Fomos crescendo, em meio a dificuldades, de fome, de pobreza até. Mas éramos felizes. Montávamos estilingues e lá íamos atazanar os passarinhos, quatis, cavalos... Não gosto de relembrar a infância, tu me entende irmãozinho, foi sofrida demais. Papai era bravo, foi-se cedo, largou-nos ao relento com a nossa mamãe que fazia das tripas o coração pra termos o que comer todo dia. A escola fomos só no começo, não terminamos, mas sabíamos de cabo a rabo todas as plantas e animais daquele nosso terrenninho e as trilhas já tinhamos decorado seus caminhos. Um irmão fora indo, outra maninha também, foram cedo demais alguns, ô meu Pai, precisava ir assim todo mundo? 
Cada um seguiu teu rumo, mamãe seguira o dela pro céu em seus 102 anos. Velha forte! Metade do meu coração fora com ela. Mas você ficara irmaõzinho, na mesma cidade, vindo aqui em casa me contar da vida quase toda tarde. Montara uma família, eu também montei, nossas esposas viraram amigas, por mais que eu tenha me casado bem mais cedo. Quando eu já tinha netos você criava teus filhos, me via em você. Me pedia conselhos, eu os dizia com o maior orgulho, fui o pai que não tivemos. Lembro que, nas poucas vezes que adoeci, tu eras o único irmão que ficava todo o tempo comigo. 
Mas o Deus do céu não deixou que tu ficasse por tanto tempo, essa semana teu coração deu um alerta. Preso naquela cama de hospital, como uma vela teu coração foi se apagando, e eu ali te vendo. Meu coração sentia uma dor que você não faz idéia irmãozinho, como eu queria dá-lo pra ti pra que não morresse logo. Não teve jeito, no meio da noite o hospital ligou aqui em casa, minha esposa atendeu e me contou o ocorrido, Deus te levara. Não deu, toda aquela dor escorreu pelos meus olhos, sem aquela vergonha de que homem não chora, era meu irmãozinho, necessitava. Precisava te ver, sentir tua pele, olhar com os meus olhos - mesmo esses não tendo aquela ótima visão de quando éramos crianças -, era nosso último dia irmãozinho. 
Fui ao teu lado, te levando naquela cama de madeira, sussurrando pra que tua alma escutasse: "Irmãozinho, querido irmãozinho, nunca mais o verei.. Ô irmãozinho, por que se fora agora? Meu irmãozinho..." Te colocaram lá, e pela última vez meus olhos depararam com teu corpo já amarelado e inchado, olhei ao redor, agora só restávamos quatro. Ambos já de cabeça branca, grandes óculos, e um corpo cansado. Todos tristes, mas eu, destruído. A caçulinha, que viera pouco depois de você, chorava tanto. Também era minha irmãzinha, éramos o trio caçula, que agora só restava um dupla com uma dor no peito.
Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora Aparecida, leva esse meu irmãozinho e cuida bem dele aí no céu. Adeus meu querido irmão, eu te amo. 

Se você chegou até aqui, já te agradeço. Semana passada um irmão do meu avô falecera, e fiquei tão chocada com o estado que meu avô ficou que resolvi escrever. Não sei se consegui descrever exatamente a dor dele, mas te digo, foi de dar muita dó.  Espero que gostem do texto. 
Fiz uma entrevista pro blog Garotas e Derivados, olhem lá! 

15 comentários:

Yasmin disse...

Sabe aquele texto que tu começa a ler e não consegue parar enquanto não vê o final? Adorei a história, e me fez lembrar meu avô. Parabéns, Lara!

Marcelo Soares disse...

Perdi uma amiga ano passado, acho que você lembra, sempre postei sobre ela no blog. A dor é inexplicável, a gente tenta contar em palavras, mas sempre parece insuficiente. Me vi em muitas partes desse texto, os sentimentos dele etc. Achei excelente, me emocionei bastante, me veio muita coisa a tona.

Beijo

Juliana P. disse...

Em cada palavra desse texto lembrei-me de meus dois vovôs, que partiram um em 2007 e outro em 2009. Não imagino qual seja a dor de perder um irmão, mas sei o quanto doi perder alguém que amamos. Muita força pra vocês!
Beijos :*

Ana Flavya disse...

É um belo texto triste, sinto muito pela perda de vocês !

Letícia disse...

sinto muito pela perda, o texto é lindo *-*

Camila Gomes disse...

Oi Lara, sinto pela perda de vocês..
O texto ficou otimo, fiquei com o coração apertado imaginando seu avô contando cada cena. Não é facil a dor de uma perda, espero que Deus o conforte!
Abraço querida!

Ariana Coimbra disse...

Fiquei imaginando cada cena, a dor de perder um irmão não deve ser fácil ser superada.
Forças pra vocês!

Beijos e o texto ficou lindo!

LARISSA MIRANDA disse...

Antigamente se dava um valor interminável pra essas coisas de família, valores mesmo. Tento imaginar a dor que o teu avô sente e acredite dói em mim, mas nessa hora só o abrace e mostre pra ele como ele é importante, é sempre bom saber o quanto se é amado, no meio desse mundo de tanta futilidade. Beijo no coração!

Yohana Sanfer disse...

Bonito texto moça...com a emoção que nos passa, acho que conseguiu sim figurar os sentimentos de seu avô...
...bjinhos!

Luiza Fritzen disse...

Muito sentimento e emoção nesse texto, como sempre. O blog ficou muito fofo, beijos amada, e cuide do seu avô.

Bruna Corrêa disse...

Hey fofa, tenho um selinho pra ti. Ta ai :D
http://misterios-dela.blogspot.com/p/selos.html

Bruna Brasil disse...

Nossa.. Meu coração sentiu um amor, e uma dor, inexplicável. Lindo texto! Espero que seu avó esteja melhor, não sei como é perder quem tanto se ama, mas imagino.

Gabriela Freitas disse...

Se eu falar que ficou exageradamente bom ainda não será suficiente para mostrar como adorei o que escreveu!
Muita emoção do começo ao fim, poucos textos me prendem e este me prendeu.
Cheguei ao ultimo ponto com algumas lágrimas aqui nos olho.

Elo disse...

Chorei...

Lória Vasques disse...

Seus textos são muito bons, me emocionei bastante com esse.