outubro 01, 2017

Relatos breves de um ausente


Chove.
O vento passa entre as frestas da janela cantando aquela melodia surda dos morros. A porta bate sozinha a chegada de alguém que não abre. Os livros leem-se com uma troca de página rápida e violenta. As palavras se embaralham e eu já não sei mais o enredo daquela história, o romance misturou com o teatro, o drama sobressai em mim. Estou rodando a biblioteca, seguindo as sentenças, procurando aquela que me prenda de vez. Em busca do enrendo, fábula ou nó que ate meu laço. A janela sussurra meu nome entre as barras da grade. Resisto. Sobrevivo no ar viciado das grades desse pequeno cômodo, carregando sobre mim o peso dos galhos e figos apodrecidos em mim.  
A figueira alcança o vidro frágil da redoma que me cerca, mas não chega. Meus galhos finos arranham a transparência do nada. O sangue brota nos cantos da unhas. A dor é nula, mas arde. Como me livrar da parede invisível que me solta nesse mundo sem rédeas? Eu não sei ser. Eu fui, e agora preciso ir, mas estanco. Fixa. Muda. Plantada no solo seco e infértil de uma vida sem flores. Eu vejo a luz refletida na vidraça, o som surdo das pessoas que riem, mas não me atinge. O eco que ecoa em mim é mudo. O oco ressoa o nada que me completa em silêncios. Estou amarrada entre paradoxos. 
O sangue das unhas mancha o papel de não-ditos. Escrevi tudo aquilo que doeu na ausência e ficou em branco. Tentei pegar a caneta, mas a tinta vermelho-negro não tingiu. A letra ficou estancada no primeiro contorno. O risco escuro e falho borrou o papel no canto esquerdo. É isso. Sou o borro, a falha, a pequenez na imensidão branca que cega e oprime. Estou aqui, engasgada com as memórias que já partiram com o cair do tempo. Quero escorrer o sangue das veias entupidas de mim. Quero estancar a palavra que não sai. O vento derruba o papel, leva a caneta, canta a melodia triste do fim.   
Corro por entre os corredores de uma linha só. A porta bate. Os ventos choram. Eu grito socorro para a folha em branco de um romance errado. Mas o movimento é surdo. O silêncio preencheu todo o cômodo com seus espaços vazios. O meu oco ecoa no oco do quarto. Fazemos canção. O som corre pelo corredor, procurando algum lugar para, uma fresta que, um alguém que. Onde está você? 
Respondo que sempre estive por aqui. Onde está você? Aqui. Onde está você? Sempre aqui. Onde está você? Aqui. Aqui. Eu sempre estive aqui. Você? Sim. Onde? Aqui. Dentro. Está? Oco. 
Eu quero voltar. 
Eu preciso voltar. 

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