abril 16, 2015

Poesia viva


Tuas palavras percorrem a dimensão da minha pele, recobrem meus poros e pintas. Desenhando aqui e ali minhas marcas, acompanhando cada curva sem guia. Mas o guia é você. Como se comandadas sabiamente por um mestre, elas sabem exatamente qual o ponto máximo da altura do pescoço, da ponta da orelha, daquele pedacinho da costela. E cravam ali uma palavra, sinal gráfico ou pontuação. 
O toque é leve, cada palavra leva cerca de quase um minuto para ser inteiramente formada. A letra é estrategicamente pensada, tateada e grafada no lugar exato. Nem um centímetro a mais, nem um segundo a menos. Elas se traduzem pelo tato, já que estamos ambos cegos e mudos. Os olhos recusam-se a abrir, a boca trancada. Mas há tanto a ser dito, há tanto sendo visto. Os sentidos foram trocados, mas ainda há linguagem. Estamos conectados entre células. Os poros dilatados transpiram-se, unem-se, fundem-se. 
E nessa troca de palavras a gente se reescreve, te deixo cravado na dobra do pescoço um beijo descrito, desço pelas tuas costas um poema que encaixa no terceiro verso da minha perna esquerda. Assim completamos uma história bonita, porque de novo o teu braço acompanha a minha cintura que você acabou de demarcar. As tuas pernas prendem-se na minha e cruzam as rimas.
A cada ponto em que penso ser o último você recomeça e redescobre partes que nem sabia serem passíveis de escrita. Eu me descubro a teu toque, estou como um manuscrito a ser traduzido pelos teus dedos que mais uma vez desnudam partes minhas. E dessa vez não há receios de segredos, pois a pele não esconde nada. A cada toque os poros te respondem dilatando-se, os pulmões pedem um pouco mais de ar. 
Inteiramente descrita pelas tuas palavras é preciso completar-se com os teus versos, não há estrofe sem a parte desenhada dos teus braços. Não há rima sem a parte rabiscada das minhas costas. Não há poesia sem a união dos corpos, a leitura dos versos, interpretação das metáforas. E que a leitura siga a nossa linguagem, essa cega e muda. Mas que vê muito mais que estas poucas palavras grifadas nesta folha branca. As bonitas ficaram nos corpos atados em nós, que já se desfizeram. 

A poesia nunca foi mais viva.

Um comentário:

Jardineira disse...

Parabéns Lara, texto bem poético e metafórico. Muito lindo !