junho 26, 2014

Intertexto de mim


Nothing stays the same, nobody is perfect, but everyone's to blame.*

Não sei mais quantos inícios foram riscados para que realmente houvesse um começo. Não sei quantas teclas foram apertadas em vão. Não sei quantos minutos se passaram desde que abri uma tela branca. E não saberia dizer quantos dias me sobrariam fugindo dessa imensidão branca que me grita vez ou outra. E eu digo que fujo como uma criança foge daqueles homens estranhos que passam na rua, a gente até troca de lado da calçada, tenta trocar uma rua por outra... E eu tava aqui, alternando entre um programa e outro, trocando uma música por qualquer outra, evitando me encontrar comigo mesma. A realidade nem sempre é fácil de ser vista. É difícil encarar a gente com os olhos de dentro, enxergar a dor mais doída que ficou escondida durante uma semana turbulenta, ouvir os lamúrios mais secretos que choraram por esses dias, consolar a alma que anda meio machucada com isso tudo. Não é nada de mais, não há perdas de nenhum ente querido. A não ser que eu possa me incluir nessa lista, porque acabo morrendo todos os dias. Isso não é o pessimismo dos autores românticos que absorvi, é uma realidade que a gente enxerga com os outros olhos. Morre em mim uma parte todos os dias. Mas renasce também. A gente se reconstrói. E te digo que não é fácil, o muro do Pink Floyd não é tão fácil de ser construído mãe. E eu vou assim, tijolo por tijolo... Um dia, quem sabe, esses buracos param de me perfurar também. Porque cada tijolo deixa de ser um tijolo quando cai nesse chão de terra batida. Não há piso para que amorteça os danos, é apenas um baque, único, que marca. Há aqui tantas marcas de tijolos caídos, tantas pedras derrubadas por um caminho que nem é tão longo, mas traz tanto.
Estou aqui de frente para o espelho de mim, refletida nessa tela branca com pintas pretas que se evoluem conforme me exponho. Tô mostrando pra você que não há nada além disso. Essa carcaça que encara todos os dias, na faculdade, trabalho ou fins de semana, não faz jus ao que escrevo. O sorriso daquela terça feira não mostrava o nervosismo da semana que mal havia começado. O bom dia irônico daquela quarta foi só uma pitada do meu humor, ou justamente a falta dele. Não quero falar aqui das minhas tantas lágrimas engolidas, nem mesmo abafadas em chuveiros ou travesseiros, porque elas simplesmente não apareceram. Não havia tempo. Não dava para simplesmente desmoronar uma hora ou outra. Tinha um trabalho, uma aula, um teste, um encontro, uma festa. Mas não tinha "eu" em tempo nenhum. Eu não estava presente em nenhum desses eventos, o meu comparecimento não marcou realmente presença. Estou aqui, agora, completa. A escrita me expõe nua e com refletores com luz alta analisando cada detalhe do meu corpo. Por favor, não fique muito tempo olhando para minhas costas, tem uma pinta do lado esquerdo que não gosto. Minhas veias são saltadas nas mãos e nos pés, minhas unhas não são bonitas, meu cabelo tá pedindo um corte. A gente tenta esconder essas coisas, fico de frente para que não veja minhas costas, escondo minhas mãos para trás, sento sobre meus pés, mas ainda assim estou inteiramente aqui. Meu pé não fica bem escondido, minhas costas estão livres, minhas mãos aparecem. Eu tento esconder tanta coisa entre essas linhas, mas sempre me revelo. 
Sou o eufemismo representado nessas hipérboles, sendo assim um paradoxo. Existo enquanto um ser que não quer existir. Meu período é o romântico, independentemente do conceito de romântico que você tenha. O meu pode ser todos e nenhum. Porque eu me encaixo em parâmetros que não existem, e me desencaixo de todos eles também. Sinto uma sede de escrever para que esvazie de mim tudo que sufoca, mas fecho a garganta. Não quero que nada vaze, não posso deixar que minhas palavras se tornem explícitas e diga aqui tudo o que eu tão bem escondo. Não dá para simplesmente pedir um ombro amigo pra chorar, porque não é nas lágrimas que esvazio. Não é com uma boa noite de festa que esqueço. Não é com "um cigarro ou outra droga qualquer" que dissolvo todas essas dores. É só aqui. Que vicia mais que droga, deixa marcas pelo corpo, escurece meus órgãos com essa tinta negra que registra mais uma noite cedida. A escrita venceu novamente. Estou aqui, sob esses refletores, contando de novo e mais uma vez a dificuldade em contar qualquer coisa minha. Há algo bloqueando meus dedos para que não encontrem as palavras certas, pontuações atrapalhando minhas frases e orações bloqueando meus parágrafos incompletos. O trabalho com a metalinguagem, essa coisa de texto sobre textos, te juro que não é proposital. É só mais uma forma de tentar dizer muito, escrevendo pouco. Em apenas uma frase aqui marcada trouxe uma dor de semanas, um sentimento preso há dias, uma saudade apertada entre pontuações. Ah, saudade... Reaparece nessas noites de escrita, traz sua nostalgia de noites frias que se repetirão daqui a poucas semanas. O inverno chegará novamente. E te pergunto, trará apenas o período de frio e chuvas? A pergunta está feita, a dúvida plantada, a promessa escondida. 
Se já não fosse tarde, se o rumo do texto já não fosse mais esse, talvez eu pudesse ficar mais. Mas veja só, as coisas já estão ficando explícitas. Minha pele já mostra o caminho inteiro das minhas veias, você pode percorre-las facilmente e tentar encontrar o meu caminho. E se encontrar, por favor, tenta me encontrar também. Me procura perdida em mim, para que consiga de uma vez por todas te mostrar a parte inteira dessas palavras camufladas juntamente com a menina do sorriso de lado. Mas agora tô indo embora, a luz está ficando mais fraca e já não dá pra ver que as minhas pintas são duplas nos braços e no rosto do lado esquerdo, muito menos trazer sujeitos e predicados mais confusos e mistos nessas orações. Está tudo ofuscado, o foco está sendo perdido dentre essas palavras aleatórias que agora finalizam mais um texto que pode não ter dito nada. Ou dito tudo. Vai do meu leitor, que me enxergará sob refletores ou apenas verá um borrão de mim. Me leia com outros olhos. Me desenhe com a alma. Me analise com um coração infantil de uma criança que sabe de tudo. Mas não me desmanche, não me divida em partes menores, não me dê nomes, sou completamente incompleta aqui. 

Um texto nunca disse tanto de mim nessa última semana. 

3 comentários:

Erika disse...

Me vi no seu texto, também faço o tipo que escrevo para alimentar a minha coragem de seguir em frente. Parabéns!

Jardineira disse...

Lara, estou com saudade de você por aqui!

Iasmin Morais disse...

Como sempre bem escrito. Estava com saudade de vim aqui, Lara. Seu blog continua lindo!

http:\\exploradoradelivros.blogspot.com