abril 25, 2014

Caixas de texto


I'm dead in the water, still looking for ya.

Eu não sei mais juntar essas palavras em uma frase e montar uma oração, enunciado, sequência, que seja. Não sei mais unir meus pensamentos em uma ordem cronológica, decrescente, crescente, decente. Tem uma ideia jogada num canto esquerdo, tem outra se espremendo entre a bagunça do mês passado e uma gritante de outras vidas. Tem essa que vem e volta por causa dessa música, que eu não entendi muito bem, mas parece que alguma parte de mim entendeu e tá tentando me contar. Conta agora. Aproveita o tempo e me conta todas essas outras coisas que resolveram voltar e alojar-se em mim. Me explica como regula esses batimentos acelerados vez ou outra, essa vontade de correr e outra de ficar, o desespero eterno entre uma vontade insana de escrever e ao mesmo tempo fugir de todo pedaço de papel. Canta essa trilha sonora mais um milhão de vezes pra ver se eu consigo ouvir realmente o que me faz deixar no repeat. Me planta na frente de um espelho para que eu consiga enxergar de vez cada detalhe da minha pele, riscar a linha entre as poucas pintas que me pintam, aceitar essa curva e outra... Não, não faz isso não. Deixa que hoje a gente lida só com o de dentro, e esse "só" foi totalmente irônico, porque cê sabe muito bem que não tem nada de "só" dentro de mim. Da gente. Do nós. 
A bagagem é gigantesca. O caminhão de mudança tá há meses parado aqui na frente porque ainda não conseguiu descarregar tudo. E tem outras partes indo, caixas que eu havia esquecido acabaram se misturando com uma outra bagagem e partindo. A gente se livra de algumas coisas para que novas possam vir, e por mais clichê/auto-ajuda que isso esteja se tornando, é pra ser mesmo. Tô literalmente me auto ajudando. Só que no literal é no sentido inverso. Tô me auto mutilando. Tem livro pra isso? Palestras? Mini curso? Me dá logo um diploma, porque essa escrita doentia as madrugadas tem de me valer alguma coisa além disso. E esse "isso" é irônico também porque vale muito. Vale à mim. Vale por todos os momentos de agonia, pela lágrima escondida naquele caminho depois da reprova do teste, o sorriso forçado na frente 'daquela gente chata sem nenhuma graça'. Mas isso o caminhão não leva. Ele recusa que eu me despeça dessas caixas frágeis, falou que o caminho que ele segue é perigoso demais e poderia se perder. Que se perca! Mas não adianta. Fica sempre aqui. 
O correio não quis me dizer quem foi que mandou entregar essas caixas, disse que eu saberia com o tempo. Mas avisou que muita gente acaba não descobrindo por motivos "falhos". Fiquei sem entender e ele disse que entenderia se tudo desse errado. Ainda não entendo, então presumo que estejamos bem. As caixas trazem pedaços de mim. Quem poderia fazer ressurgir pedaços meus que eu nem sabia que existia? Nem mesmo no íntimo, no fundo, naquele baú trancafiado dentro do peito, havia tanto de mim. Pois agora vejo que não me conheço de fato, a gente se refaz a cada dia, com novas pessoas e meses. Serão pedaços de outras vidas? Outras eu? Te digo que me assusto ao deparar com esses "atos falhos" vindos dentro de uma das caixas, de repente acabo dizendo tanta coisa que não há nada de "falho". Nada disso acontecia antes. "Ei, moço, só me diz quem trouxe esse?" E ele olhou pra mim rindo e disse que só devia ser piada. Eu ainda não entendi, e reclamei que devia ter um engano porque meu nome tava como emissor. Como posso ter me desvinculado de tudo isso? Aonde foi que me perdi? Quem me encontra todos os dias? 
Às vezes há várias caixas da mesma cor, e é engraçado porque acabo me esquecendo das outras. Só que aí, sem mais nem menos, o correio traz uma pequenininha daquela outra cor que demorou pra aparecer. E dá um pesar tão grande. Porque aquela caixa, mesmo mínima, traz tanto de mim quanto as cinco outras. É só um lembrete, uma foto, uma carta, mas é uma parte mim já conhecida. São as tais partes que ficam trancafiadas naquele baú, a gente conhece, mas evita. A gente sente, mas esconde. A gente lembra, mas ignora. Ou tenta. As outras caixas perderam a graça, mesmo aquela com umas piadas ruins que eu ri porque trazia um sorriso bonito, essa outra... Ah, ela me traz pra dentro de mim como ninguém. Aonde foi que me perdi? Aqui. Esse texto incrivelmente estava escrito dentro de uma delas, engraçado que veio pintada de duas cores, talvez porque trouxesse uma visão minha de diferentes épocas ou estava me trazendo de dentro de duas pessoas. Tem uma parte minha querendo me conhecer, rasgar cada lacre sem pensar na consequência do que possa estar lá dentro. Mas tem a outra parte que, conhecida, me torna menos eu de antes. E a eu de antes faz uma falta danada, porque ela é o racional. Olha só onde fui parar, sem conseguir finalizar frases, adequar orações, montar textos. E, pros diabos, que é afinal um texto? É isso aqui professora. Não produziu sentido, a usuária sou eu, tô numa situação complicada, exercendo uma função de desabafo e com uma extensão que se prolonga...
Vai que a próxima caixa me traz um final. 

Desculpe a ausência, não digo que foi intencional e nem que não foi. Só sei que vim, e prometo voltar.

Um comentário:

Ariana Coimbra disse...

Sua escrita esta cada vez melhor Lara.
Parabéns pela evolução.
Isso tudo é pelo curso de letras?rs

Amei o texto!

Beijos