janeiro 09, 2014

Sangue negro


I want you here tonight. I want you here.*

Sempre noite. Sempre à noite. O uso da crase pode ser facultativo nessa caso professor, porque passou da meia noite e não respondo mais como a menina de horas atrás. Sou outra. Sou essa que repete as palavras para uma tela branca enquanto deixa uma música correr alto entre os ouvidos. Desconfio que as dores de cabeça frequentes estão relacionadas, mas é difícil não ligar os fatos. É difícil não ligar. Não pegar o telefone e gritar de uma vez por todas que tá complicado assim, que já não dá mais, não sei se aguento me manter fixa nesses pilares de plástico. Onde encontro meus alicerces ideias? Onde encontro o que me fixe de vez nessa terra? Não há nada aqui. Não há nada pra mim. Atende o telefone, eu ainda nem liguei, mas finge que sim e disca meus números perguntando se já encontrei outro alguém. Porque eu vou rir e te dizer que nunca pensei que meus pilares se encontrassem tão longe e viessem por ondas telefônicas. Só que não dá para construir nada com palavras, esse seu abraço sussurrado no fim da conversa não me abraçou. Esse seu cafuné não alcançou meu cabelo que agora vive em desordem. Suas palavras não construíram meu pilar. Eu não sei construir, meu curso é de humanas, só construo muralhas em volta de mim e falo aqui da linguagem extremamente metafórica, porque meu pilar feito de lego não serviu de nada. Você destruiu sem dificuldade ambos e agora vive em mim. Destruindo-me? Talvez seja um tanto prepotente. Talvez seja um pouco sincera demais. Talvez eu devesse parar de colocar condições nas minhas afirmativas doloridas. 
Não sei o motivo disso tudo, só sei que veio assim numa noite difícil. Todas são. Porque aqui não preciso manter o good morning de professora, o sorriso de aluna ou a risada de amiga. Aqui deixo algumas de minhas lágrimas que quiseram tanto sair nesse ou naquele comentário do dia que me fez lembrar assim, de uma coisa boba, de um sentimento bobo - todos são no fim das contas -, de mim. Lembrar de mim, de como eu era, de como as coisas eram... Memórias acabam comigo. Percorrem meu pulso espalhando essa tinta preta e inundando minhas veias com um sabor acre. Meu coração pulsa com força, ouço seu desespero ao lidar com a escuridão do preto ao invés do vermelho sangue e vivo. Esse é o meu luto. Tô aqui de luto por todas as minhas lágrimas que foram derramadas em vão, pelas risadas forçadas que guardavam o nó da garganta, pelas palavras ditas da boca pra fora e as engolidas da boca pra dentro. Minhas memórias percorrem-me como se gritassem por salvação. Liberem-me, elas gritam, deixem-me inundar-te. E paro aqui. Discutindo o uso da crase numa sentença qualquer e colocando um sujeito, um sentimento, uma noite, e uma música chorosa. Uma menina de olhos cheios também. 
É uma escrita doentia, as palavras correm entre os dedos sem pedirem licença para a pontuação, gramática, ou semântica. E para que isso me adianta? Se eu quiser coloco aqui no meio dessa frase uma exclamação porque estou gritando com a boca trancada. Estou chorando de olhos secos. Estou amando sem sujeito nem predicado. Onde foi parar o restante da oração? Onde foi parar a minha outra metade? A oração é daquelas difíceis de classificar, não sei mais quem é o sujeito. Não sei mais o que o predicado queria me dizer. Não sei se são todas minhas essas palavras proferidas. São tantas letras e pontos e vírgulas e eus. É horrível colocar plural em palavras singulares. Eu é singular. Eu sou singular. Se quiser juntar com alguém vira nós, mas não vira eus. Não tem como juntar eu comigo mesmo. Malditas regras. Tô aqui sim, tendo uma disputa terrível de eus. Porque meu eu tá sofrendo e eu não sei me curar. Meu eu anda com saudades de alguém que eu nunca soube lidar. Meu eu ficou perdido dentro de mim e já não sei mais encontrar. 
As lembranças trouxeram sujeitos na enxurrada, vejo-os sendo levados pela onda forte que os carrega, e já não estico o a mão para salvar ninguém. Deixe que vão, que escorram assim mais uma vez pela fenda dos meus olhos. O falatório é ensurdecedor, a dor de cabeça talvez venha daí, e lateja dentro de mim tantas questões. Por que não salvar? E se valesse a pena? Nunca valeu. Estique a mão que eles pedirão o braço, dê o braço e prepare-se porque logo terá mãos na sua cintura. Não era para dar nisso aqui, essa amargura com relacionamentos tem que parar. Na verdade é tudo uma maneira fácil de falar que tá difícil me relacionar comigo. Tá difícil aguentar papos inúteis de gente qualquer só para tentar fechar o buraco que carrego dentro do peito. Pior ainda é quando não existem nem papos fúteis, quando tenho que lidar com os meus próprios questionamentos. Meus eus são tantos, mas mesmo assim me deixam tão vazia. Não me completo comigo. Essa é uma verdade que ando gritando e ninguém ouve. O mundo ficou surdo ao meu dizer. A minha sentença é simples e clara, mas não digo nem sob tortura. Não vou mendigar para ninguém nada, já me basta essas palavras. Já me basta eu. Não, não me basta não. A menina de horas atrás tá querendo voltar e me jogar mais uma vez para a vida real, me tirar desse mundo de letras. Eu não quero ir, me deixa pelo menos chorar. Mas nem isso. Nem lágrimas. Apenas o nó. O nó que me impede de gritar essas palavras fazendo-as saírem para essa folha. Não vou gritar para ninguém a minha solidão, deixa assim, quietinho. 
Só me escuta nesse sussurro então, te queria aqui. Te queria aqui essa noite. É mesmo a letra dessa música que repetiu por meia hora ou mais, mas é também um eu meu que fala baixinho da saudade que grita. E grita.. E grita... E eu grito aqui mais uma vez que isso é só um texto da outra menina. A que você conhece continua sorrindo no seu mundo de palavras bonitas do Caio F. Abreu. Eu me deito aqui agora nesse ponto final manchado do meu sangue negro. É um adeus para as memórias. Mas só por essa noite. 

Na próxima tento algo mais bonito. Juro. 

Um comentário:

Lara disse...
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