dezembro 01, 2013

Carta ao Leitor


Felizes são aqueles que não sentem. E eu, sentenciado a reclusão à luz desse farol da solidão.*

Querido Leitor,
Me ensinaram que para escrever essas coisas a gente tem que chamar a pessoa de querido, e tá ali no enunciado que tem que ser pro tal "Leitor", se for você, dá uma olhada aqui. Mas olha com carinho que não tá fácil escrever mais essa. Não, não é a primeira. Deve estar pela quarta da noite. O lixo eletrônico transborda de spam próprios porque não aguenta mais essa ladainha de saudades e solidões fúteis. Acredita só, que vendo uma cena na TV me encheu os olhos d'água? E doeu. Doeu no fundinho, lá dentro, mais interior do que essa cidade fim de mundo onde moro. Doeu na alma. Tá doendo a cada dia, a cada hora, e vai doendinho, com o diminutivo mesmo porque a dor é pequena mas é longa. Já percebeu que diminutivo quase sempre aumenta as coisas? Não é bonito, é bonitinho. Não dói um pouco, dói um pouquinho. Não é uma lágrima, é uma lagriminha. Como se as palavras se arrastassem para não terem fim. Como se a dor se arrastasse em mim sem fim. Porque não dói, só fica assim, doendinho, um pouquinho, escorrendo uma outra lagriminha. Que sentimentozinho hein!
Tô aqui porque me disseram que preciso escrever sobre mim e meus sentimentos. E o que fazer, caro Leitor (me disseram pra te chamar assim também, mas achei que o querido causaria melhor efeito) quando não se tem sentimento algum? Estou oca. Ó, bate aqui, ouviu? O meu coração se ausentou. Talvez aquele menino tenha levado, talvez eu tenha escondido, talvez ele nunca tenha existido. Mas não era pra doer, o causador disso tudo não está aqui e a dor continua como aquele despertador chato que toca e toca e você não consegue alcançar para desligar. E a campainha te estressa, você não aguenta mais esses mesmos sons de sempre tocando no mesmo intervalo, todos os dias, no mesmo horário. A saudade grita em mim como um despertador que não alcanço. Não alcanço ninguém. Todo mundo resolveu sair da minha escrivaninha do lado da cama e ir embora. Onde foram parar vocês? Ei, eu preciso desligar todo mundo. Preciso me desligar do mundo. Onde me desligo? Não alcanço o botão que apaga esses sentimentos para que consiga dormir em paz. Uma noite só. Uma noite sem sonhos, sem ilusões, uma noite sem mim, mas só comigo. 
Não sei se já disseram, mas digo agora de uma forma ou de outra, o sentimento é o maldito alimento da alma. E a minha alma se contorce, retorce, faminta. Mas eu sou oca Leitor, eu não tenho essas coisas de sentimentos. Apenas ouço o ronco surdo que ecoa em mim. O barulho é sempre o mesmo, mas o eco faz com que se repita sempre. E dói a dor da fome. E dói a dor dos gritos. E vai doendo assim, todos os dias. E eu fico aqui, inventando mais uma desculpa, mais uma leitura, mergulhando em um outro universo qualquer só para não me encarar no espelho. Não, não quero olhar essa minha saudade estampada na cara. Não quero ler nessas minhas entrelinhas a minha carência ridícula. Não, por favor, não me deixa ter que lidar comigo. Mas tem hora, ah, tem hora que, tem hora que é foda Leitor. 
Ninguém mais tem graça, as piadas são sempre as mesmas, os elogios sempre vazios, as mensagens repetem-se com dígitos trocados. As pessoas continuam com os assuntos de sempre e eu me torno 'a outra'. Apenas alguma outra na sua vidinha, e na vidinha desse e daquele outro. E você é só mais um que me lê. E são tantos outros que não sei mais quem foi que me disse isso ou aquilo, porque na verdade todos acabam sendo iguais. O mesmo papinho banal, as mesmas piadinhas com mil e um sentidos que no fim só querem saber se você está livre para fazer algo mais tarde. Não, eu estou presa em mim, desculpe. Hoje não vai dar pra sair, tem um cadeado trancando meus sorrisos. Tem uma placa bloqueando a entrada da alma. Os sentimentos não chegam nem saem. Estou aqui com essa pequena partícula que me resta escrevendo essas palavras. Porque sabe, eu tô aqui pra te pedir exatamente isso. Alimenta minha alma. Não precisa ser com amor, eu sei que essas coisas são quase impossíveis e não funcionam comigo, mas não fique plantado esperando que eu consiga. Porque eu não consigo mais. O tanque tá no negativo, passou do nível mínimo. Não dá mais para partir para lugar nenhum, mas se você tentar... Tenta, vai. Não me deixa aqui a ter que lidar comigo mesma mais uma vez. É tão difícil. Já tá no fim, me disseram para agradecer ou pedir que preste atenção. Então, nesse caso, por favor, preste muita atenção em mim. As minhas palavras estão aqui basta que as leia. Mas lê com esse teu coração que bate alto e faz inveja pro meu silêncio de dentro.  
Com esperanças,
Eu, que você não conhece, mas tô aqui. 
Eu que sempre estive aqui. 
Eu que preciso que você venha aqui. 
E me leve de mim. 

Um comentário:

Ariana Coimbra disse...

Ah, mas tem horas Lara que é foda mesmo.
Tipo ler um texto desses e ele se encaixar direitinho na vida.
Quando elogios, pessoas etc começam a ficar sem graça acho que chega a hora mais difícil da vida da gente.,
Reconhecer, que talvez seja nós que estejamos afastando e que tenhamos ficado sem graça e dai pensar se vale a pena mudar ou não.

Lindo texto!