maio 27, 2013

Não quero ser laço


Querido,
Ainda cismo em te escrever cartas sem ter um endereço a dizer no correio. 'Entrega lá em casa, porque ele mora em mim moço.' Deixa a carta aqui na bolsa, no bolso da jaqueta, no furo da alma. Tatua em mim as palavras de saudade e solidão das noites frias. Repete de novo o pleonasmo que a vida é triste sem você e os dias extremamente longos. Seque e deixe que escorra novamente as lágrimas que vem sempre ao passar naquela rua, ouvir aquela música, ler teu nome. O tempo está brincando com a gente, percebeste? Ao mesmo tempo que se arrasta em suas horas, corre nos deixando cada vez mais distantes. Hoje, 00:00 estou aqui no Brasil, mas você já voa para a América Central na hora seguinte. Os horários não se batem, as cartas não chegam, as palavras não saem. A saudade fica. A noite fica. A solidão fica. Eu fico, e deixo você ir mais uma vez. 
Te revivo em frases ambíguas ditas entre um diálogo e outro. A semântica entenderia, comentaria que a vírgula ali deixa implícito que há dois sujeitos possíveis e não apenas um. Há uma questão sobre o dono dos sentimentos, das frases e textos. Mas poucos veem esses detalhes com precisão enquanto se conversa de passados distantes, portanto só eu te vejo ali escondido na vírgula mal colocada. E seu grito para que seja enunciado ao mundo me faz aos poucos te desvendar entre uma oração e outra. Escapa sua cidade, seu nome, uma idade e um sorriso torto. Você escapa das minhas palavras do mesmo modo que escapou de mim. Sendo que tudo que queria era te trancar de uma vez por todas. Não ter você escapulindo em meio as palavras, não ter você fugindo de mim, não ter você longe assim. Não ter um fim. 
Esses dias atrás não me contive e te deixei gritar por longos minutos. Contou toda a nossa história, sem pausas, meio rápido devido a falta de tempo, mas já fazendo questão de deixar implícito um futuro que não existe mas que (a)guardo escondido. Não me desvende assim, só porque moras em mim. Não deixe meus sentimentos desprotegidos, meus segredos á mostra e minhas inseguranças tão falsamente seguras. Deixa que comigo eu lido. Já é difícil tentar desvendar o quebra-cabeça de todo dia, com você trocando as peças e invertendo as cores tudo fica ainda mais complicado. Porque as únicas peças que parecem ter sentido são aquelas que resultam em NÓS. Há um duplo sentido, porque você embaraça meu laço e transforma-me em nós. Nunca eu. Nunca um laço. Nós. 
Culpo o frio dessa noite por essas palavras que cismaram em vir. O frio nunca foi uma boa companhia, você sabe que eu sempre digo isso, não faça essa cara de tédio enquanto relê pela trigésima vez a minha inimizade com essa estação. Ao invés disso, vem. Pega o primeiro avião e pousa em mim. Tem espaço e eu tô aqui sinalizando que o caminho está meio emburacado, há pedras e certos obstáculos, mas a gente lida com isso juntos. Você me ajuda a tampar as lacunas de ausência e os obstáculos eu deixo pra depois. Deixa os seus nós por aí que eu deixo os meus embaixo do tapete, só traz os que a gente fez e que eles se embolem de um jeito que ninguém desfaça. E que em cada tentativa ele se torne ainda mais forte, e que dure. Que seja eterno enquanto dure, já diziam. Que os nós sejam eternos. 
Nessa despedida gostaria de frisar que estou bem. Não é por nada, mas ás vezes penso que me imaginas sempre chorando e com a maquiagem borrada. O rímel não está perfeito porque realmente derramei certas lágrimas, fica meio difícil quando escrevo, mas é só agora. Ainda a pouco o sorriso aparecia e conseguiria até fazer uma piada rude a seu respeito. O que te faria gritar e espernear em cada sentença, mas tudo bem. Seria um jeito de te trazer para o meu presente, mesmo que seja na zombaria. Mesmo que no fundo tenha uma parte que sussurre: volta. E um grito alto a ensurdecer: me leva. Mesmo que sem destino, sem volta, sem data e malas. Estou tentando seguir a nossa linha, mas há nós frouxos, talvez desatem. Não quero ser laço, porque quando vira laço já deixou de ser nó(s). E quero sempre ter uma outra ponta que me traz você.
Não se desate de mim. 

Tantas cartas não enviadas...

4 comentários:

Melissa Espínola disse...

Que texto mais lindo, a gente sente contigo enquanto lê. E tenta ler esse texto depois escutando "Amanhã ou Depois" de Nenhum de Nós, vai fazer mais sentido ainda! bjs

Unknown disse...

Uau, Lara! Eu nem sei o que dizer além de dizer que estou completamente apaixonada por este texto. Acho que já falei isso antes "apaixonada por este texto" mas é que... Eu sempre fico assim quando leio algo seu. É tanta poesia, tanta doçura, tanta verdade... Esse texto me fez relembrar momentos, silêncios e até olhares. Ou aqueles papéis esquecidos no fundo de alguma gaveta do meu quarto. Enfim, texto maravilhoso. Digno!

Parabéns!
Beijos, Arih

AquilesMarchel disse...

desate o nó que te prendeu a uma pessoa que nunca te mereceu,nó prende pra dividir

Anônimo disse...

É com certeza um dos melhores textos seus que já li, parabéns menina.