dezembro 11, 2012

Lavando a alma



As gotas batem e rebatem na janela me chamando para me juntar a elas. Cada toque na calha, no vidro, no asfalto, cada gota me grita. Cada gota sou eu me desfazendo ali, no meio de uma chuva de verão. Cada gota simboliza um dor minha que hoje deixo escorrer por entre essas esquinas, bares e estradas. Cada gota aqui caindo é o meu nervosismo, a minha falta de sorrisos e minha insegurança que deixo presa nessa terra. Novo ano tá aí, novo eu também. Cada gota de tristeza hoje enterro aqui, nessa cidade, nessa grama, no quintal dessa casa. Deixo aqui para nunca desenterrar. Deixo aqui para sempre e nunca mais. Cada vez mais forte a chuva cai, cada vez mais forte essas dores são retiradas de mim. Dói tirar a dor do corpo. Dói deixar a ferida curar. Dói enterrar memórias doloridas. Dói quando a chuva resolve lavar a alma. 
Alma. Minha alma já não passava de um pequeno fiozinho vagante nesse corpo imenso. Um mero fio de luz, andando sem rumo por entre o coração, mente e pernas. Deixando a bagunça por onde passa. Desorganizando pensamentos, deslocando sentimentos, destruindo-me. Mas hoje tá sendo limpa. Cada gota que escorre deixo que escorra aqui por dentro também, que limpe cada canto obscuro que ainda me afugenta durante a noite. Limpe os pesadelos, tire pó das saudades e apague certas nostalgias. Deixa ir... Tem coisa que a gente cansa de lembrar. Só lembrar. Tem coisa que a gente quer presente. Corpo presente. Amor presente. Coração entregue. Não apenas lembranças de um mês distante.
Os trovões cantam pra mim. Cantam suas melodias rudes para que minha alma aprenda de uma vez a não se deixar levar novamente. Tá parecendo criança, só aprende depois que machuca, corta, cai. Cai, cortei, machucou. Mas ainda assim não aprendi. Sou uma eterna errante. Meus ouvidos doem com os sermões, cada vez mais alto, mais e mais e... Já não me ouço. Grito, mas ninguém me escuta. Eu não me escuto. A gota tá limpando um amor doído e antigo, sangra. E eu grito para que parem, que deixem certas coisas escondidinhas em mim, ninguém precisa saber, mas a chuva me invade sem pedir permissão. Tá chovendo em mim, meus olhos choram. Essas memórias são minhas, não merecem ficar aqui enterradas. Essas lembranças me acolhem em noites de sexta, em textos de quinta e livros de 2000 pra frente. Fujo da chuva, minha alma quase limpa. Eu quase inteira. Minhas memórias quase intactas. Meus ouvidos quase ouvindo. Meu coração quase batendo. A chuva quase acabando... comigo. 
Foi mais um quase. A alma continua meio fraca, um pouco mais brilhante que antes, não tão pequena. Tem mais vida. Eu tenho. Mas tenho também muito medo de uma tempestade que pode vir. E minhas memórias? Eu não sou tão forte assim. Quero manter vivo aqui dentro tudo isso que dói, tudo que dilacera no meio da noite. Tem dor que a gente gosta de guardar pra sempre. Tem dor que já foi amor e não dá pra simplesmente deixar as gotas lavarem. Não saem. São tatuagens da alma. Não desbotam com o sol nem com o passar do tempo, ficam sempre vivas dentro da gente. Deixa ele vivo aqui em mim ainda, chuva. Só mais esse fim de ano. Ano que vem você apaga mais um pouquinho, só um pouquinho, só não me deixa sem ele. Não me deixa sem ter quem lembrar naquele filme, ouvindo aquela música, e lendo aquele romance de sempre. Não me deixa sem vida. 
Ele é como um verme que suga minhas energias para viver em mim, mas eu deixo. Deixo que fique, que more em mim pelo tempo que for. Permito porque não há mais solução, já viveu demais aqui dentro, se acostumou em mim. Eu me acostumei com ele. É triste quando a noite vem e ele continua longe, num pensamento distante. É bom quando tá pertinho, tá aqui me fazendo lembrar daquela semana, das piadas infames e do toque das mãos. E dilacera. Me dilacera. Me destrói e eu permito porque amo. Mas só ele. Só ele pode dominar assim minha casa, minha alma, me dominar. Porque dói. E porque dói eu só quero ele. Não quero pensar em ninguém mais tentando me invadir, roubar minha alma de mim mais uma vez. Se não é ele não é ninguém. A casa já está fechada, acabou o horário de visitas anos atrás. Senhora chuva que me desculpe, mas tem janelas trancadas e os vidros são mais fortes que seus ventos. Suas gotas não entram no meu coração que continua sujo de amor. 

Quem chegou até aqui, um obrigada. Ah, minha escrita passará por mudanças nos próximos quatro anos... Entendam como quiser, outra hora falo. 

2 comentários:

Ariana Coimbra disse...

Quando eu crescer quero escrever como você, parabéns!
Bom,li o texto ouvindo: "Birdy- People Help The People" e viajei legal.
Principalmente por causa de alguns acontecimentos de hoje e de durante o ano.
Eu ando enterrando tristezas, mágoas, ressentimentos, e tentando enterrar memórias.
Espero conseguir.
Lindo texto!
Saudades de ti lá no blog!

Beijos

Unknown disse...

Olá flor!
É muito bom lhe ver na ativa com os blogs, eles estão belos como sempre, e a sua escrita está radiante!

Mil beijinhos!
http://tumbacerrada-azamba.blogspot.com.br