outubro 08, 2012

Traços teus



Desenho os traços da tua boca num canto da folha, disseram-me que eu deveria medir os ângulos, traços e riscos, mas tua boca grita e se desenha sozinha sem ligar para proporções. Vieram então os olhos, um brilho forte que parecia olhar-me da folha enquanto rabiscava cada cílios, bobamente longos, talvez você se lembre, e assim eu terminava a pálpebra. Seus olhos encontram os meus, mesmo sendo de grafite, trazem um tantinho de paz que há tanto procurava. Nesse meio de riscos pareço mergulhar. Talvez eu me afogue. E por favor, dessa vez, não me salve. Não deixa eu me atirar na primeira boia que aparecer, ou muito menos procurar a margem, faz teu mar calminho pra que eu curta ficar pra sempre, navegando em você. Eu sei nadar, não tenha medo, deixa que eu fique.
Desço no seu pescoço, ali parece que o desenho exala teu cheiro. Te rabisco um beijo marcado. Sinto a textura da tua pele, os pelos eriçados na altura do ombro, a curva perfeita onde quero recostar-me e deixar meu cabelo escorrer nas tuas costas de traços fortes riscados agora. Talvez ali seja feito pra mim, tem os mesmos ângulos, o tamanho perfeito. Antes de encurvar-te, parei no pé do ouvido, e bem baixinho te sussurrei uma saudade. Tenho várias guardadas aqui, tomara que dessa vez você escute. Escutou? Foi saudade de passar domingos no teu ombro, ouvindo a música do teu coração bater aqui pertinho. Tá tão longe... os batimentos tão fracos... volta. Aqui tá baixinho também, tem hora que eu até penso que levara meus batimentos contigo, nunca mais os ouvi.
Então os braços, fechados num abraço, quem dera eu pudesse me fazer de grafite e desenhar-me junto a ti. As tuas mãos soltas na folha, pedindo o encaixe que só meus dedos trazem. Sua mão aberta num gesto mudo, quem sabe um olá, talvez um adeus. Espero eu que seja sua chegada, despedindo-se do grafite e chegando em mim. Pra mim. Ouviu? Dessa vez, enquanto riscava teus dedos, escrevi outra saudade num bilhete. Dessa vez é sobre tuas mãos mesmo. Tá frio, e não encontrei nenhum outro encaixe que esquente. Os dedos sempre gélidos, os ventos sempre cortantes, a saudade sempre gritante. E as tuas mãos, as tuas mãos, sempre nesse grafite mal feito.
Encaro o desenho e me lembro que só fizera teus olhos, falta ainda a minha grande saudade. Risco seus lábios com cuidado, tentando não errar a proporção, tentando trazer você ali, naquele risco meio torto da boca. Queria eu que meus lábios fossem de grafite e que nossos riscos se encontrassem. Sem borracha, corretivo ou algo do tipo, só rabiscos juntos. A gente junto. A boca já selada, risco seu nariz rápido, quase ouço um suspiro no traço final. Respira vai, pega todo o ar que tem nessa sala e sai desse papel molhado. Uma lágrima caíra abaixo dos teus olhos, parece até que é sua. É sua? Rabisca aí num cantinho como tem sido tudo isso pra você, sei lá, só me escreve. Me desenha. Me pinta em você. Não me deixa ser a única a rabiscar esse amor.
O papel tá acabando, tanto aqui quanto lá. O desenho tá quase pronto, falta uma pinta talvez, um marquinha aqui ou ali, mas não consigo mais. Te ver em grafite me deixa triste. Os riscos pretos e cada vez mais falhos parecem simbolizar a gente, cada vez mais fraco, bem fraquinho, quase sumindo... Mas o papel acabou antes de terminar o risco. Será que a gente continua numa outra folha? Essa foi cortada ao meio. Não sei muito desse negócio de metades, mas a simetria aqui tá perfeita, você encaixa perfeitamente no desenho que fizera de mim outro dia. Minha simetria é você.

Mas eu só sei te desenhar em palavras.

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