maio 27, 2012

Escrevendo algo que preste


"Vamos, escreva algo que preste! Chega! Chega desses textos sempre iguais, dessa falta de assunto, falta de vocabulário, enfim, dessa falta. Chega dos amores doídos, dos que deram certo, dos que deram errado, dos que não deram. Para de contar como o abraço dele te confortava, ou como sentes falta de alguém para proteger-te, chega menina, chega! Toda clichê só dizendo de saudade, de amores platônicos, da solidão de uma adolescente que tem tudo na mão. Quanto mais leio, mais tu repete, como que num gravador, conta sempre a mesma história em palavras diferentes. Amor, amor, amor. Você acha que amor é tudo, é? Você por um acaso vive de amor? Come amor? Veste amor? Estuda amor? Se esquenta em dias frios com amor? Acho que não. Amor NÃO É tudo." O velho homem me encarava perplexo e ofegante após cuspir todas essas palavras na minha cara.
Então está querendo que eu fale de que? Do que realmente importa? Tudo bem, vamos lá. Deixa eu contar aqui das crianças que se prostituem nas ruas para ter o que comer todos os dias, das mães que tem que cuidar dos seus filhos sozinhas sem um pai ou qualquer outra pessoa para lhe dar apoio, ou quem sabe contar dos pais que abusam de toda a família e as ameaça diariamente. Também tem a questão do lixo, quer eu fale dele? Deixa eu contar sobre como nossas ruas são podres, os rios nojentos, as florestas, ou o que resta delas, imundas. Falar dos que lutam diariamente para viver, correndo atrás de algum emprego bobo que seja, só para conseguir um prato de comida no fim do dia. Contar da desvalorização dos professores, dos garis, lixeiros e da supervalorização á aqueles do poder. Falando em poder, talvez eu fale também da falta de comprometimento dos políticos. A falta de hospitais, a falta de escolas, o analfabetismo, a pobreza, as drogas. Ou de você. 
Eu? O que eu tenho nisso tudo? Não sou ninguém, sou um pobre velho das ruas. 
Você sim. Contar da sua falta de amor. E não me olhe com essa cara por ouvir essa palavra, sei como te dói. Eu entendo. Quero contar aqui, não somente como é difícil viver nas ruas, as custas de doações e jornais para esquentar no inverno, mas sim do que se passa dentro de você. Não referindo ao seu rim ruim, nem a sua pressão alta, quero falar dos seus sentimentos. Explicar o quanto odeia o amor por ver casais sempre nos bancos da praça juntos e não poder ter alguém para dizer as palavras. Ou melhor, ter. Ter alguém que queria muito dizer que ama, sente falta, quer um abraço, assim como tudo que eu descrevo nos meus textos, mas não consegue. Ser invadido pelas tais lembranças que eu tanto foco em meus textos, e tentar ficar fugindo mergulhando em um copo de bebida qualquer num bar sujo. Você tem um amor tão bonito escondido aí dentro, no meio de toda essa amargura das ruas, tem uma luz acesa com um nome dentro, ou melhor, vários nomes. Uma família de nomes. A sua família. Você sente ódio do amor por nunca ter tido a chance de amar verdadeiramente seus filhos, sua esposa e tudo que tinha. 
"Ei, pai, estamos aqui." Uma menininha acena na esquina próxima junto com uma mulher e mais 3 crianças. O velho homem rabugento, com lágrimas nos olhos, corre em direção do seu amor e o aperta nos braços. Abraço é abraço, não importa se é do seu namorado, da sua mãe, do seu pai, de quem quer que seja, tem amor ali. E tendo amor, pronto, já vale. Amor não alimenta, amor não esquenta no inverno, amor não ensina, amor simplesmente existe. Só isso. E existindo já tá bom, o resto a gente corre atrás, sem nunca o deixar pra trás. Porque amor, amor é o agora, o texto lido, o sorriso no rosto. E... tem hora que isso vale tanto, que eu até me esqueço de comer, de estudar ou do frio.
"Menina, esse valeu." O velho sorria. Tá aí, é amor. E valeu mesmo, um sorriso desses vale muito. 

E esse texto, prestou?

3 comentários:

Deise Lima disse...

O que não é amor torna-se a ausência do mesmo! Ora, escreva sobre o amor, porque sobre a ausência muitos já praticam! ( gostei muito disso que falei agora, rsss usarei em minha vida \0 )

Curti o blog, so cute! ^^

http://decifrandopordeiselima.blogspot.com.br/

Marcelo Soares disse...

Menina Lara, te contar que ando na vibe do velho? Mas não na mesma situação, é mais pela falta de tempo mesmo. Mas se tem uma coisa que tenho que admitir, esse tal amor simplesmente existe e o problema sempre somos nós, não é mesmo?

Beijo

Fátima disse...

Oi Deise,
Se prestou?.. Não tenho a menor dúvida!
Muito bom mesmo, sincero com imagens repletas de sentimentos.

Beijo meu