agosto 08, 2016

Seis e quatro



A luz ainda distante. O silêncio alto das ruas. Passos fugitivos dos estabelecimentos. O relógio bate seis horas. A luz mais próxima. O silêncio gritante da buzina. As pessoas param. O relógio bate seis horas.  A luz mais próxima. A buzina gritando no silêncio. O relógio bate seis horas. A luz em mim. O relógio bate seis horas. Os passos congelam. A luz congela numa distância próxima. Há um espelho na esquina da frente, esperando para que eu o encontre. É o destino, estou no meio do caminho, é preciso.
Enxergo o meu reflexo borrado. São as lágrimas. E eu disse que não iria. Não hoje. A menina do espelho grita, mas eu não a escuto. Bate com os pulsos no vidro, mas não posso alcançá-la. Não há como libertá-la. Os passos ao redor congelam, estamos sós. Quero quebrar cada pedaço daquele vidro, deixar com que ela saia livremente e pare de chorar. Pelo menos por hoje. Mas minhas pernas se recusam, e me vejo no meio do caminho, observando seu desespero.
Meu coração espreme. Sinto a dor ardente de algo me comprimindo. O ar se vai aos poucos. Vejo uma menina de fora. Estou presa dentro da caixa de vidro. A menina me observa e repete meus atos, lutando para sair. Mas ela está livre. Grito, mas não me escuto. Quero avisá-la que ela pode seguir, mas deve tomar cuidado com os carros, estão tão próximos e ela parece não ver. Ela parece não querer ver. Menina, não faça isso. Desesperada bato com as mãos no vidro para alertá-la. Eu preciso salvá-la de si mesma.
A menina do reflexo desespera-se e eu sinto que preciso chegar até lá. Há uma luz a esquerda muito próxima, algo me diz ser perigoso, mas não me importo. Aquela dor, aqueles gritos surdos, você não os ouve? Você não a vê? Olha, na sua frente, moço, tem uma menina ali você não está vendo? Eu preciso ir até lá. Eu preciso me salvar. 
O relógio bate seis e um. A luz está em mim. A buzina grita alta e me atordoa. Sinto a colisão. Vejo o céu alaranjado, é fim de tarde. O pôr do sol é sempre tão lindo. Quero deitar no asfalto quente de fim de tarde e esperar a noite. Talvez seja lua cheia. Eu sempre gostei da lua cheia. Seria bonito. Mas. Alcanço a outra margem. A colisão foi um tropeço. A luz chegou próximo, mas passou. A buzina foi o alerta que eu ouvi e desviei. 
E por que não os gritos? Por que eu não ouço seus gritos? Não há mais caixa de vidro, não há espelho, não há menina. Sigo o caminho. O relógio bate seis e dois. 
Eu queria contar um segredo para a menina da caixa de vidro. O relógio bate seis e três. Sabe, às vezes eu queria que não batesse mais. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Você sempre acerta