junho 02, 2015

Marca do laço


Você vai passar por mim, talvez acompanhado com mais alguém ou talvez sozinho. E vamos sorrir um para o outro de um modo tímido, um sorriso que nem se abre, esconde as tantas memórias que só a gente sabe. E guarda. Porque o passado é aquele baú que vez ou outra a gente abre só pra sentir saudade do cheiro, do gosto, do sentimento, mas fecha rápido porque já foi. E não vale a pena ficar remoendo as lembranças por tanto tempo. Só que aquele sorriso, ah, ele vai ficar mesmo após fechar os nossos baús de dentro.
Os seus olhos perfuraram cada canto do meu rosto já marcado, relembrando as tantas vezes que demorara ali horas e eu tanto reclamei que me incomodava. Então iríamos dar uma risada meio contida porque a memória iria estar passando por nós dois, a ligação ainda existe mesmo que fraca. Mergulho novamente em você e consigo ouvir as batidas do teu coração naquele dia na quadra de cima de casa, você sabe qual, o que, porque. E meus olhos talvez não aparentem aquele mesmo mistério, apenas a tal da ressaca que você e tantos outros me diziam. Eles escondem muitos anos de dúvidas e incertezas, muitas dores e alegrias contidas. E muitas, muitas memórias de nós... e laços. 
Detalhadamente vou desenhando teu rosto e percebo o rabisco dos teus cabelos, que sempre estivera em direções opostas e perdidas. Como se cada fio quisesse seguir seu próprio caminho. Mas agora todos seguem uma única direção, não há mais ninguém para bagunçá-los como fazia. Nenhuma mão recente passou ali só para que parasse de uma vez por todas de dividi-lo, e deixasse de uma vez esse bagunçado como quem acabou de acordar. Você sabe, fica melhor. Então nos olhamos mais uma vez, você segue meu olhar e balança a cabeça negando a bagunça que não existe mais. Seus olhos quase gritam que não há mais ninguém para bagunçar, a única que sabia fugiu. 
Me vejo empurrando mais uma vez um soluço seco que cisma em vir a tona. Não é hora de remorso pelas escolhas que fiz. Mas te ver assim, tão bonito e tão fora de mim, me fez doer todos os anos que vivemos juntos. Porque naquele momento, naqueles eu te amos sussurrados, beijos escondidos, fugas nunca de fato executadas, parecia que ia dar certo. Sempre pareceu, mas nunca fora de fato. A gente nunca fugiu. O sujeito composto permaneceu naquela terra roxa e apenas o simples seguiu seu caminho.
Não há palavras ditas, nem mesmo um pequeno diálogo que seja, porque nossos olhos sempre disseram muito mais que qualquer conversa de horas. E eles agora deixam escorrer uma lágrima pequena, meio escondida entre uma mexida de cabelo, tanto minha quanto sua. Você dividiu mais esse fardo comigo, a memória doeu em você também. Elas sempre doem um pouco quando nos deixamos levar. E agora, nesse período de tempo que eu já nem me lembro mais, eu relembro todos os segundos que passamos. E passaram. A gente passou para outras histórias, pessoas e momentos. Mas assim, te vendo tão de perto, tão repentino, é tão difícil. O laço desatado parece querer reatar suas pontas. Mas querido, se nem Machado conseguira em seu romance, quem dirá nós. 
Assim, desatamo-nos. Mas o laço ainda ficou marcado em mim. 


A eterna mania de despedida, mesmo ainda no olá. 

Um comentário:

Danny disse...

Ótimo texto .. amei! você escreve muito bem.

http://destinoincertoo.blogspot.com.br/