O cheiro da sua mão ficou gravado entre meus dedos, mas perdi o toque. Os seus cílios ficaram presos no meu moletom, mas perdi o olhar. Tenho o cheiro do seu perfume nas suas roupas jogadas no chão, mas falta o que preenche. Tenho rascunhos rabiscados com a sua letra, mas falta o som da sua fala. E quando finalmente ouço o som da tua voz naquelas nossas gravações, eu perco o nós. Grudados. Atados. Enlaçados. Onde foi parar a outra parte da fita que você segura e não está aqui? Onde você está? Eu repito aquela do Lobão, apesar dos pesares, e peço para que me chame. Mas você está na sala ao lado. Você foi ali na padaria. A reunião atrasou um pouco. A fila estava grande demais. O trânsito estava complicado.
Onde está você com o lado da fita que enlaça o nós? A metáfora é velha, mas querido, segurar essa ponta sozinha talvez sugira ideias erradas, para os outros, porque virou a nossa conversa tantas vezes. A gente brinca entre essas cordas, la(n)çando-nos entre pontes e abismos como dois seres que seguem invencíveis pelos espaços inventados da humanidade. Existimos na fotografia de lugares que não existem mais, como dois fantasmas vivendo a eternidade de um romance clássico inglês.
Mas eu queria toda aquela coisa bonita do cinema hollywoodiano, as saudades de minutos, a falta durante um intervalo e um aperto leve no peito que a gente diz: calma, logo passa. Mas não passa nunca. A falta se tornou abstinência, os minutos percorrem como ácido pelo meu corpo enquanto aguardo o relógio chamar o teu retorno. Me tornei tal qual aqueles que farejam pelos lixos procurando resquícios de seus vícios, rastejo entre esquinas procurando partes de você. Retomo caminhos nossos em busca de uma lembrança que acalente. Sento agora naquele banco sempre nosso e procuro qualquer resquício seu. Me vejo delirando entre ruas e bairros, gritando com estranhos por socorro. Preciso das drogas mais fortes, quero fugir da minha lucidez de ausências e me dão um mísero cigarro. O relógio dosa de forma dolorosa o nosso tempo.
E depois da recuperação eu me odeio, pela minha fraqueza, pelo meu exagero de mais uma vez e sempre. As ruas são os corredores vazios e frios, os gritos são jogados para fora da janela desse andar não tão alto, os túneis escuros refletem a não iluminação proposital do quarto, da sala, de mim. Não aprendi a dosar, é sempre aquela história de oito e oitenta. Pulo do abismo que criei, sozinha, mas a queda nunca chega. O fundo do poço é sempre mais fundo do que a gente espera. Eu só queria ser uma menina protagonista de romance romântico clichê. Quero de volta os meus passos perdidos nas esquinas nessa eterna busca, recuperar o fôlego que perdi nos gritos que ecoaram entre os túneis escuros da cidade e não chegaram a você, trazer de volta a segurança plena e perfeita da mulher que eu era antes de desmontar-me em pedaços de mim toda vez que você se vai.
Essa noite caminho pelas mesmas ruas, remontando cenários e cenas que vivenciamos não muito antes. Percorro as nossas cafeterias e restaurantes, fechados, e pela vitrine vejo o nosso encontro de ontem. Ajeito a gola da sua camisa, torta mais uma vez, mas a vidraça fria é a única resposta que encontro. Refaço a nossa volta, rio daquela cena que vimos durante a volta, até que chegamos. Vejo a luz acesa dentro de casa, consigo visualizar tudo o que acontece ali dentro. Toco a campainha (com a chave no bolso) e aguardo na soleira da tua porta, mais uma vez e sempre.