julho 29, 2016

Não-ditos


Olho pela janela e as árvores correm com o vento. As cores misturam-se como naquela velha paleta de tinta à óleo escondida no armário. O verde grama se mistura com o azul celeste. Não há nuvens. O sol brilha distante, sem forças, o frio ainda sobressai. Mãos gélidas. Rosto ardente. Tremo involuntariamente. Já não é possível culpar apenas o frio, a situação acaba desenvolvendo tais consequências e eu apenas confirmo que sim, é necessário ligar o aquecedor.  É sempre mais fácil evitar qualquer explicação que exija que eu te mostre que.
E o silêncio grita dentre os quilômetros. Sai pelas frestas e perde-se no vazio dos campos. Tento alcançar uma sentença, uma mera palavra que possa ter ficado presa entre os espaços, mas é impossível. O vento forte as carrega e perdemos a chance. Estamos sendo engolidos por não-ditos. A ausência de palavras engasga, corrói na garganta, invadindo a alma. E aqui a gente insere uma digressão incompleta, pois o resto dessa sentença saiu naquela meia hora em que não dissemos nada. 
Me restaram poucas palavras para continuar esse texto. Já não sei como prosseguir. Entre nós o muro se formou, e por mais que eu queira, não consigo decifrar os algoritmos que te envolvem. Você tenta traduzir as minhas palavras, mas escondo-as novamente. É perigoso demais. 
- Eu quero ler você. 
Escondo as páginas. Rabisco as sentenças. Tento apagar, mas o vento parou e as palavras ficam. Você lê "medo" na primeira linha dos meus olhos. Nas minhas mãos está escrito "sim". Escondo as pernas e ombros. Os pés recusam-se a mover-se e exibem o "fico" como uma sentença. 
Eu fico.
Você bebe cada uma das minhas palavras, e eu transbordo em você como oceano. Da sua boca escorrem palavras, e inutilmente tento me agarrar a qualquer uma delas, mas a correnteza é mais forte. Percorro suas sentenças como sujeito principal de cada oração, mas não as roubo. Elas ainda são tão suas quando no início, e eu cada vez menos minha, me vejo descrita entre teu mar que agora vaza pela porta já aberta. 
Então, mais uma vez, somos levados pelo vento. Nos perdemos novamente. Você deixou que todas as suas palavras se fossem, mas as minhas permaneceram.  Os lábios guardam sentenças infinitas que um dia eu fiquei de te contar. 
Mas o vento nos leva sempre embora antes da hora, e eu queria tanto te dizer que.

Um comentário:

Yohana Sanfer disse...

Aiii que saudades desses textos!
E que angústia desses não-ditos! rs